José Luís Peixoto foi galardoado com o Prémio Oceanos, de Literatura em Língua Portuguesa deste ano, com o romance Galveias.

 

O escritor português José Luís Peixoto está de parabéns por mais uma recompensa pelo seu trabalho, talento e dedicação, desta vez foi o prémio “Oceanos” de Literatura em Língua Portuguesa que tem como objectivo de realizar um intercâmbio literário no âmbito da língua portuguesa, premiando as melhores obras de escritores lusófonos publicadas no Brasil.


Galveias, uma história, em que o autor descreve nos anos 80, um evento misterioso  que acontece naquela simples aldeia no interior de Portugal, um romance, com alguma autobiografia, José Luís Peixoto é um mestre das letras, com uma sensibilidade que não deixa nenhum leitor indiferente, quando percorremos as paginas de Galveias, e de todos os seus livros.

Peixoto deixou Galveias no início dos anos 1990, para ir estudar na universidade, em Lisboa, mas é a Galveias que volta com frequência e por muitas vezes, faz da aldeia o seu refúgio para escrever.
Galveias dá a conhecer um tempo onde a aldeia era mais povoada, onde havia mais crianças, gentes, população, o dobro que tem hoje, um tempo onde havia mais vida, onde os sons marcavam o tempo, os barulhos, o lugar… Galveias, um livro, uma recordação, um lição de um tempo.

“O frio e o silêncio existiam ao mesmo tempo e ocupavam o mesmo espaço. Não havia fronteira entre o frio e o silêncio. Às vezes, confundiam-se.”

Extracto no livro. José Luís Peixoto consegue dar forma aos detalhes, aos cheiros, ao frio. Galveias é um livro de memorias, com ligação entre a realidade e ficção.

José Luís Peixoto publicou o seu primeiro livro “Morreste-me”, livro de uma intensidade de palavras e sentimentos, causados pela dor da perca do seu pai, dando ao livro uma força bastante própria. É autor de mais de uma dezena e meia de livros entre romance, ficção, diários de viagem, contos, teatro e poesia.

Portugal Magazine teve o privilégio de entrevistar José Luís Peixoto sobre este seu prémio e o livro Galveias. Salientamos que o autor colabora mensalmente na revista Portugal Mag com uma crónica, o que para nós é um grande orgulho

 

José Luís Peixoto, vem recentemente de ser recompensado com o Prémio Oceanos de Literatura. Qual foi a sua reação? 
Nunca se está completamente preparado para receber um prémio como esse. Foi uma imensa alegria, uma grande realização. Passou-me pela cabeça todo o trabalho e empenho que coloco naquilo que faço e, ao mesmo tempo, lembrei-me da alegria que um reconhecimento como este traz para as pessoas que me são próximas. A felicidade delas é a minha felicidade.

 

Galveias, « vila do Alentejo, concelho de Ponte de Sor », nunca foi tão conhecida como agora, ao escrever um romance sobre suas gentes e histórias, aldeia onde nasceu. Havia ou há algum motivo especial nesta escolha? 
Naturalmente que, tendo essa relação pessoal com Galveias, a escolha desse espaço não foi inocente. Implicitamente, essa é uma homenagem à região e, em especial, a quem tem ligações com esse lugar. No entanto, a aldeia que recebe o nome de “Galveias” nas páginas deste livro é, em grande medida, um espaço simbólico. De certo modo, pretende representar todas as aldeias e vilas do interior. As principais características que esse espaço tem no livro não são específicas de Galveias, pertencem a todas as pequenas comunidades rurais. Tentei trazer essa realidade para a literatura por me parecer importante que se valorize o interior, um espaço que nas últimas décadas tem sido bastante subvalorizado. Esse abandono tem tido repercussões que, a meu ver, importa avaliar. Penso que ainda estamos a tempo de perceber que, sem um desenvolvimento harmonioso do território, todos viveremos pior.

 

No livro, tudo começa com aquela « coisa sem nome ». O porquê de não lhe dar nome, visto que fala e retrata tantas personagem, todas com nomes e apelidos? 
O contraste entre o nome que é dado a tudo (personagens e espaços) e a falta de nome que tem essa “coisa” que cai do espaço, pretende reforçar o impacto que esse objeto tem no livro. Percebe-se que é um meteorito, mas a sua falta de nome reforça-lhe o carácter misterioso. Essa ignorância justifica o mudo e os resultados insuspeitos que traz à vida de todas as personagens. Ao mesmo tempo, a falta de nome permite que cada um lhe encontre as suas próprias características, as mais assustadoras.

Neste Portugal rural que fala em « Galveias », vemos um interior cada vez mais despovoado. Como vê este facto de aldeias a ficarem só com habitantes a maioria todos idosos e os mais novos a partirem para cidades? 
Esse parece-me ser um dos grandes problemas do Portugal contemporâneo. Esse interior envelhecido e desertificado tem mais custos do que estamos dispostos a admitir. É para mim muito claro que, ao nível cultural, por exemplo, vamos perdendo património material e imaterial com presença insubstituível na nossa identidade. Mas até ao nível económico me parece que esquecer o potencial do interior é mau negócio. Penso que a atual situação é fruto de políticas que pouco apostam no médio e longo prazo, mais preocupadas para os resultados imediatos. Em simultâneo, parece-me que este também é o produto de políticas europeias que nem sempre foram vantajosas para o interior português.

 

Quando o leitor se amara no desfolhar das paginas, das suas obras por vezes, podemos ver muita autobiografia entre ficção, é verdade? 
Nunca rejeitei o texto autobiográfico, pelo contrário. Só posso escrever sobre aquilo que sei e, nesse repositório, aquilo que experimentei ocupa um lugar importante. Ao mesmo tempo, a autobiografia é um elemento que, quando bem aproveitado, pode ter muita força. Confere ao texto uma tonalidade diferente. Se quem lê sabe que uma parte ou a totalidade do que está a ler tem as suas raízes numa experiência vivida, acaba por ler de modo diferente. Essa forma de ler é determinante.

 

José Luís Peixoto, tem viajado muito ao longo destes últimos anos, tem visitado mais de meio mundo como de diz. Estas viagens têm-no influenciado ou alimentado sua escrita? 
Sem dúvida. Tudo o que me afeta a mim acaba por afetar a escrita também. Tenho escrito alguns textos sobre viagens e, nesses casos, a influência é muito direta e clara. No entanto, em todos os textos essa influência se faz sentir, mais que não seja pela maneira como as viagens ajudam a considerar outras maneiras de ver o mundo e a realidade.

 

José Luís Peixoto, o que pensa da literatura portuguesa contemporânea? 
Constato que a literatura portuguesa atual está a passar por um bom momento. Um sinal dessa qualidade é a boa recepção nacional e internacional que os autores que começaram a publicar nestas últimas décadas têm recebido. Esse reconhecimento tem acontecido a vários níveis, não apenas no que diz respeito à crítica muito positiva e aos prémios literários que tem vindo a ser atribuídos, mas também no que diz respeito à receptividade do público. Podemos sempre achar que poderia haver mais leitores, ainda assim, creio que a literatura portuguesa contemporânea é bastante lida.

 

Voltando ao romance « Galveias », está previsto para breve uma edição em francês, para quando esse prazer? 
O romance “Galveias” será publicado em francês neste ano de 2017. Será publicado pela Seuil e contará com uma tradução conjunta da professora Ana Sardinha e do escritor Antoine Volodine. Estou com muitas expectativas acerca dessa edição.

 

José Luís Peixoto, podemos ler no livro « Livro » que tem uma ligação especial com a França, é verdade ou ficção? 
A minha família tem uma enorme ligação a França. O meu pai chegou ao Vale do Marne em 1961 e, um ano depois, a minha mãe e a minha irmã mais velha foram ter com ele. A minha outra irmã nasceu lá em 1966. Quando eu nasci, em 1974, já os meus pais tinham regressado a Portugal. Assim, cresci sempre a ouvir falar dos anos que passaram na França. Esse romance chamado “Livro” fala da emigração portuguesa para França nos anos 60. Escrevê-lo foi fruto de uma vontade de conhecer a minha pré-história. Da mesma maneira que aqueles que nasceram na França têm vontade de conhecer as origens dos pais, a terra de onde vieram e a sua história, eu quis trabalhar essa memória coletiva, que faz parte da identidade da minha família, do meu país, de mim próprio.

 

José Saramago recebeu a recompensa mais alta da literatura. Pensa que pode ser possível outro autor português ser distinguido com o prémio Nobel? Ou o José Luís Peixoto? 
Não tenho qualquer dúvida de que outros portugueses poderão receber esse prémio, certamente que o merecerão. Pela minha parte, não penso nisso. Não se pode escrever para prémios, tem de se escrever para pessoas.

 

José Luís Peixoto, tem alguma mensagem para a comunidade lusófona de França? 
Como português, quero agradecer muito o enorme contributo que deram e que continuam a dar para que Portugal se desenvolva. Ao mesmo tempo, quero também agradecer a magnífica representação que fazem do nosso país em todos os lugares e sectores onde estão presentes. Gostaria ainda que soubessem que, aqui em Portugal, há muita gente que não vos esquece e que vos valoriza.