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Estado de S. Paulo, Julho 2017

30.07.17

'A Criança em Ruínas', primeiro livro de poesia do português José Luis Peixoto, sai no País

Obra foi publicada em Portugal em 2001, um ano após o lançamento de 'Morreste-me e de Nenhum Olhar'

Maria Fernanda Rodrigues, O Estado de S.Paulo

17 Julho 2017

 

“Cada palavra possui um palmo desse quintal infinito”, diz um dos versos do escritor português José Luis Peixoto no livro A Criança em Ruínas. O quintal da “casa onde memórias se sentam nas cadeiras para jantar em pratos invisíveis”. Onde a família passava os domingos “com gasosas e uma galinha depenada”, onde as crianças brincavam em paz. E por onde o menino corre para abraçar o pai.

Peixoto nasceu em Galveias, hoje com pouco mais de mil habitantes. Galveias é, também, o título de seu romance mais recente publicado no Brasil - e vencedor, em 2016, do Prêmio Oceanos. Tudo começa ali. Tudo volta para lá.

“A infância tem um espaço muito grande na minha obra. Os romances que tratam do ambiente rural, por exemplo, estão muito ligados à minha infância e adolescência, pois nasci e vivi nesse meio até os 18 anos”, diz o escritor que estreou na literatura com Morreste-me, um delicado relato sobre a morte do pai e a volta à casa após essa perda que ecoa também, e com força, em A Criança em Ruínas.

A obra que chega agora ao Brasil foi publicada em Portugal em 2001, um ano após o lançamento de Morreste-se e de Nenhum Olhar, que lhe rendeu, no ano seguinte, quando ele tinha 27, o Prêmio José Saramago. Traz textos que escreveu a partir dos seus 20 e poucos, e que estavam guardados na gaveta, e outros feitos quando já pensava em organizar um volume de poesias.

 

Jose Luis Peixoto - foto de Patricia Santos Pinto.

O autor. 'Sem este livro eu não seria eu' Foto: Patricia Santos Pinto

 

Muita coisa aconteceu desde então e Peixoto se tornou um dos principais autores de sua geração. Mas ele trata com carinho sua estreia poética. “De certa forma, 16 anos depois, este livro faz parte da ‘infância’ da minha escrita, no melhor sentido desse termo”, diz. Por isso, o livro é tão especial para ele. “Mas a mina de onde o extraí já fechou. Hoje, não seria capaz de escrever muito do que está nessas páginas. Daí que lhe encontre especial valor. E, no entanto, neste livro, encontra-se com facilidade as raízes daquilo que escrevi mais tarde, que estou a escrever agora. Sem este livro, eu não seria eu.” 

Há muitas formas de se ler o título da obra. A criança destruída, infeliz. A criança em meio ao que foi destruído. A criança em meio ao que restou da destruição. Desamparo e resistência. Todas fazem sentido, ele concorda. Mas, considerando as dimensões que constituem o livro, ele explica que chegou a esse título refletindo acerca de quanto da criança que fomos ainda permanece no adulto que somos. “Seremos nós as ruínas dessa criança? De que forma o tempo nos toca e, também, de que forma nos relacionamos com o tempo, com as idades, com a vida?”

Peixoto ainda sente falta daquele tempo. “Tenho saudades de muitas das coisas boas que conheci e que perdi, temporária ou permanentemente. Escrever, muitas vezes, é organizar a saudade ou, pelo menos, é a ilusão de ser capaz de organizá-la”, explica. 

Seus poemas estão em constante diálogo, nominalmente ou não, com a família. “(...) Recordas mãe como morreu/ como acabaram os domingos e as manhãs/ para nunca mais ser domingo/ ou manhã no nosso quintal?”

E em diálogo com seus fantasmas. “Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:/ o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs/ e eu. depois, a minha irmã mais velha/ casou-se./ depois, a minha irmã mais nova/ casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,/ na hora de pôr a mesa, somos cinco,/ menos a minha irmã mais velha que está/ na casa dela, menos a minha irmã mais/ nova que está na casa dela, menos o meu/ pai, menos a minha mãe viúva. cada um/ deles é um lugar vazio nesta mesa onde/ como sozinho. mas irão estar sempre aqui./ na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco./ enquanto um de nós estiver vivo, seremos/ sempre cinco.”

O livro é dividido em três partes. Na primeira, temos a lembrança da criança a brincar no quintal, no chão da cozinha, a morte a rondar e a certeza de que aquele tempo não volta mais. Na segunda, o ar está pesado e o poeta, carregado de angústia e espera. Na terceira, o amor, a paz sentida ao ver o filho dormir, o fim do amor, a lembrança do amor juvenil, a solidão.

Segundo o autor, essas três partes procuram sugerir uma possibilidade de história. “Talvez várias idades, se as partes forem consideradas em sucessão, ou várias dimensões, se forem consideradas em simultâneo. Em qualquer dos casos, essa divisão é mais uma pergunta do que uma afirmação. Caberá aos leitores encontrar a resposta definitiva e, creio, pessoal. Este é um livro bastante íntimo. A minha ambição sempre foi que os leitores encontrassem nele o reflexo da sua própria intimidade.” 

Refúgio. É na infância que se formam os aspectos essenciais da nossa personalidade, comenta o autor. “A vida é feita de mudança, como escreveu Camões. Nesse movimento, perde-se muito. Em cada perda, é tentador olhar para a infância, quando ainda se tinha todos os sonhos, todas as opções, todas as pessoas.”

Do menino que foi restou o “olhar limpo”. “Todas as idades têm características positivas, que nos são úteis ao longo de toda a vida. Há vantagens em manter uma parte da inocência e da ingenuidade da infância. A poesia e a vida ganham com esse olhar limpo. Manter características como essas, no entanto, são um esforço intelectual.” 

 

 

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Gazeta do Povo, Julho 2017

29.07.17

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Viajaste-me

A caminho de Paraty, o premiado escritor português José Luís Peixoto passou por Curitiba para lançar um livro; aqui, ele conversou com a Gazeta.

Lívia Inácio

 

A camiseta de José Luís Peixoto diz que ele ama Macau (é uma daquelas com estam­pa "eu • e o nome da cidade"). "É o único lugar da China onde ainda se fala portu­guês", diz o escritor. A estampa, no entan­to, está em chinês. Se encontrasse uma di­zendo "Eu "Curitiba", ele diz que usaria.

 

A caminho de Paraty, no Rio de Janeiro , o português  passou  pela capital paranaen­se no último dia 24 para o lançamento de "O que dizem os abraços e outras crônicas", editado pela Arte e Letra em colaboração com a Escola de Escrita. Um dos textos é de­dicado a Curitiba. Num evento em que con­versou com o professor da UFPR Guilherme Gontijo Flores, Peixoto tratou também de seu primeiro livro de poemas, "A criança em  ruínas", publicado pela Dublinense.

Nascido em Galveias, pequena aldeia de Portugal com pouco mais de mil habitantes, Peixoto é um escritor respeitado. Sua lin­guagem particular aliada a temas sensíveis como o amor, a morte e a família, tem cha­mado a atenção de críticos do mundo todo e rendido vários prêmios ao autor. O primei­ro veio quando ele  tinha  apenas 27 anos, o José Saramago, em 2001, por "Morreste­-me" (um título lindo, em que se refere ao pai). Em 2016, seu romance "Galveias" ven­ceu o Oceanos.

Peixoto, que estudou inglês e alemão e chegou a lecionar, tem um denso currícu­lo literário que vai de romances e livros de poesia a trabalhos não ficcionais, como "Dentro do Segredo - Uma viagem na Coreia do Norte", de 2012. O português também já escreveu para crianças. Seu mais recente tí­tulo infantojuvenil, "Todos os Escritores do Mundo Têm a Cabeça Cheia de Piolhos", foi publicado no ano passado.

Peixoto veio ao Brasil para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que termina neste domingo (30). Em en­trevista à Gazeta do Povo, o autor fala so­bre família e Curitiba.

 

 

Por que a família é um te­ma tão presente para você?

Há certos temas que mesmo que tentemos evitá-los acaba­mos sempre por trabalhá-los. No meu caso, claramente, a família é um desses assun­tos.Está presente desde o meu primeiro livro "Morreste-me". Para mim, falar de família é um pretexto para falar sobre o amor, a identidade, o pas­sado, o lugar de onde chegamos e sobre o lugar que so­mos capazes de construir com a nossa vida.

 

Você chegou a dizer que não classifica "Morreste­-me", seu primeiro livro, co­mo um romance . Em que gênero você o encaixa?

Fujo o quanto posso de clas­sificá-lo. Acho que é um texto com características que escapam à maioria dos gêneros. É em prosa, mas tem uma ligação muito for­te com a poesia. É muito breve, mas acaba por ter certa dimensão que tam­bém o aumenta para lá do seu número de páginas.

 

Você acaba de lançar uma coletânea editada e publica daem Curitiba com uma crônica dedicada à cidade. Qual sua relação com a ca­pital paranaense?

Essa é minha segunda vez em Curitiba, tive a oportu­nidade de andar pela cida­de e, por isso, tenho uma relação muito imediata com ela. Viajei para outros luga­res do Brasil, mas Curitiba é um Brasil especial, é um Brasil um pouco diferen­te [de Portugal] e que me surpreendeu muito. O pa­ís, com sua imensa diversi­dade, tem uma identidade forte. Mas aqui descobri re­alidades bem particulares. Fiquei até com curiosidade de conhecer outras cidades do Paraná. Além disso, sin­to que o mais importante das cidades são as pessoas. Então, talvez também tenha sido por isso que estabeleci bons vínculos aqui. Por cau­sa das relações que tenho com as pessoas que conheci.

 

'Apesar de todas as fronteiras visíveis e invisíveis, aqui é esse Brasil sem Copacabana, sem Amazônia, sem acarajé. Porque Brasil também é camisola de lã, carne de onça, empate a zero do Clube Atlético Paranaense na Arena da Baixada. E se for feriado na Ucrânia, haverá muitas casas deste Brasil onde não se esqueceram as danças certas para celebração, onde os trajes tradicionais são usados por gente loura que almoçou picadinho."

Trecho do texto sobre Curitiba, no livro "O que dizem os abraços e outras crônicas", de José Luís Peixoto.

 

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