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Destak, 2011

16.05.14

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Visão, 2011

15.05.14

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Efe Eme, 2011

14.05.14

CÉSAR PRIETO

 

La literatura portuguesa, afortunadamente, empieza a tener presencia y descarga en las librerías españolas. Han de ser pequeñas editoriales quienes la rescaten de su injusta sensación de olvido y nos presenten las obras de una nueva generación maravillosa. “Libro” parte de una imagen aterradora y brutal: una tarde de 1948 Ilidio, con seis años, queda esperando a su madre en la fuente con una maleta; no vuelve a aparecer nunca más y lo rescata de madrugada el albañil Josué. La ambientación desvela el mundo de la emigración portuguesa a Francia, pero “Libro” es mucho más que eso: es el rugoso acecho de la sociedad rural, como en Faulker; es el goce en retratar secundarios y conversaciones de barbería como en Galdós y, sobre todo, tiene mucho de Saramago y de Lobo Antunes.

 

Tras esa noche de 1948 la novela recorre sesenta años de la historia de Portugal y llega hasta la actualidad. Aunque la segunda parte ofrece nuevos datos para reinterpretar la trama, “Libro” está plagado de episodios hondos, sensaciones estremecedoras y personajes que rozan el esperpento, perfectamente deformes –dona Lubelia y su ataúd; el Sorna, que bebe todo el vino de una fiesta– y de episodios crueles –el cadáver descuartizado que aparece en una maleta y sobre todo el sexo–. El sexo es desamparado y triste, desde la masturbación de Ilidio y Cosme pensando en la sobrina de dona Lubelia, Adelaide, se sucederán abusos, la tristeza de Josué anudado a la joven hija del Pulguinhas, breves explosiones de miseria… Quizás el encuentro más delicado sea el escondido entre Ilidio y Adelaide –ya casada– cerca de la casa de dona Milú, donde nace al fin y al cabo la novela.

 

Ilidio emigra también a Francia con su amigo Cosme para buscar a su novia y completar lo que dejaron pendiente en el pueblo. Es Cosme –celador de un hospital– quien la ve por casualidad y todo se emboza entonces en encuentros y desencuentros hasta convertir la estructura en una novela bizantina de los suburbios industriales de París. No me permito, para salvaguardar la sorpresa, exponer más detalles, el último es simplemente señalar que “Libro” es un texto magnífico y terrible, heredero del realismo mágico, pero falto de entes maravillosos, que supura vida por cada uno de sus cientos de costados.

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Correio da Manhã, 2011

14.05.14

 Correio da Manhã - Apesar de ‘Abraço' ser formado por crónicas isoladas pode ser lido como um romance, dada a continuidade que passa. Foi fácil a articulação?


José Luís Peixoto - Para mim, o que foi mais difícil e o maior desafio na construção deste livro foi justamente a selecção dos textos e a sua organização. No momento em que me propus a transformar todo o material que tinha - que eram dez anos de publicações em revistas e jornais - não era muito evidente como ia pegar naquilo e dar a forma que eu queria. Encontrar um fio narrativo, uma sequência lógica que permitisse criar um livro e não num simples arquivo.

 

- Houve então uma intenção de criar uma sequência.

- Sim. E a estrutura do livro é próxima da árvore, no sentido em que tem um tronco com diversas ramificações. Esse tronco, a partir do qual tudo vai derivando, é uma sequência autobiográfica, o que faz com que o livro seja, em certa medida, um livro de memórias. Desde a minha primeira memória, até episódios muito recentes da minha vida. Tudo acaba por assentar em três pilares, que são três idades: os seis, os 14 e os 36 anos. De certa forma quis que isso fosse sugerido por um texto que é o primeiro e que está fora dessa estrutura. É um texto em que falo dos meus filhos. As idades de seis e 14 são as dos meus filhos e 36 a minha própria idade quando terminei o livro.

 

- Há uma crónica em que se fala do acto de se expor e não se ver problema nisso. Não há, portanto, receio de partilhar a intimidade? 

- Não, este livro entra muito profundamente na intimidade. Há textos que estão muito nesse âmbito. Não vejo motivo para as pessoas se surpreenderem com a intimidade. Não se está a revelar nada que não seja da esfera do humano. Chorar, por exemplo, toda a gente chora... As coisas consideradas mais íntimas toda a gente as faz. Daí este título, ‘Abraço', ser tão afectivo.

 

- E caloroso.

- Sim, porque é humano. É algo que é transmitido de uma pessoa para a outra. E isso é algo de precioso. Parece quase um slogan, mas enquanto estava às voltas com a organização deste livro, pensei no que era mais importante para mim. Por um lado, estava restringido pelo que tinha, por outro o que queria dizer e dar aos outros. A conclusão que cheguei é que queria fazer alguma coisa sobre o que é mais importante para mim. São os meus filhos. Há aquela palavra sobre-utilizada, que talvez o seja devido à sua importância, que é o amor. O primeiro texto do livro, em que o meu filho mais novo me vai perguntando sucessivos ‘porquês?' a partir de uma afirmação simples. A resposta final acaba por ser "Porque o amor, filho." No fundo é isso: quando penso naquilo que é efectivamente importante para mim, e coloco uma lupa em cima disso, e quando penso no que faz ficar de consciência tranquila de dar aos outros vai sempre dar ao amor.

 

- O livro assenta muito nos conceitos ‘família', ‘paternidade', ‘amor', ‘morte'...

- Às vezes, para mim, também é importante dizer aos leitores que sou uma pessoa. Os autores muito facilmente podem ser desumanizados, apesar de fazerem algo de tão humano como a escrita. A relação entre o leitor e o autor é bastante distante, porque se processa através das palavras e através de um meio que não privilegia o contacto directo.

 

- O seu estilo contraria isso.

- Tento aproximar-me e dizer às pessoas que aquilo que faço é o que elas fazem. É o que toda a gente faz. Até a Rainha de Inglaterra.

 

- Por outro lado, fala-se de Facebook, fala de uma tampa de caneta esquecida num bolso ou de uma rapariga na esplanada. Há aqui um elogio das coisas simples?

- Sim. E do presente e do prosaico. A soma disso acaba por ser a nossa vida. Isso faz-me pensar na importância destes textos para mim.

 

- E revê-se em todos eles? Até nos mais antigos?

- Neste livro, dos textos que publiquei nas mais diversas publicações, os que não estão neste livro são os que considero que não têm validade. Esta é a escolha daqueles que merecem ser lidos no futuro. Um livro como este corre o risco de ser subvalorizado por não ser um romance nem um texto inédito. Tenho muita pena se isso acontecer e vou fazer de tudo para que tal não aconteça. Sinto que se há algo que a mim me dá uma imagem do que foi o meu trabalho de escrita nos últimos dez anos é este livro. Quais foram os meus interesses, os meus temas... Há inúmeras situações, personagens, lugares dos meus romances que se percebem aqui de onde vêm. Para mim, este livro é tão importante quanto os restantes. Não é um repositório, um caixote, uma gaveta.

 

- É, portanto, um livro de balanço de uma década?

- Exactamente. Precisava de organizar tudo o que tinha. Não no sentido de organizar os papéis que tinha lá em casa, mas organizar a minha cabeça e para poder ter novas ideias. É muito importante tirarmos do nosso sistema o que temos para termos novas ideias. Precisava de fazer o balanço de todas estas questões para avançar com novas ideias.

 

- O ‘Abraço' é o fechar de um ciclo? 

- Sim, este novo livro fecha um ciclo. Não porque abandone alguns temas que, se calhar, não tenho completamente resolvidos, mas também por fico com uma noção muito mais clara do que me falta dizer.

 

- Um tema que tem sido muito focado na sua obra e, obviamente, retratado neste livro, são as suas raízes, na Galveias. É um desses temas que nunca ficarão resolvidos?

- No que diz respeito à minha terra e ao Alentejo, ainda só comecei a escrever sobre o tema. Tenho muito para dizer. Há aí uma coisa que me fascina e que faz parte de mim que é a procura de um lugar no Mundo. Falando de tantos temas, este livro fala de viagens, de desenraizamento, de aeroportos, de hotéis. Quanto mais viajo, mais me interrogo sobre o meu lugar e sobre essa ligação quase sagrada que tenho com esse ponto do Mundo onde nasci e cresci e me formei.

 

- Aos 37 anos, tem mais respostas ou mais questões sobre esse lugar?

- Sinto que tenho mais respostas, do que as que já tive. Tenho mais a dizer, mais palavras dentro de mim. No entanto, isso implica que tenha também mais perguntas. Ao mesmo tempo, sinto que há questões para as quais nunca vou ter respostas e isso não me angustia. Pelo contrário: até aceito como um aspecto positivo, porque sei que ter um ânimo permanente, um horizonte é importante... até aos 150 anos! Não há limite para isso. Esse horizonte, essa capacidade de continuar a ser estimulado por perguntas é um elemento inerente de estar vivo.

 

- Considera-se um escritor filósofo?

- Não. Sinto que, em certa medida, a filosofia está presente em todas as formas de expressão e reflexão. Seria um pouco forte pensar isso. Não sendo um filósofo, sinto que há uma filosofia presente naquilo que escrevo. Da mesma maneira que, não sendo músico, existe alguma musicalidade nos meus textos. São elementos inerentes ao discurso.

 

- O ‘Abraço' é o livro certo, de passagem, após o êxito crítico de ‘Livro'?

- Para mim faz sentido. Mais do que enquanto obra, do ponto de vista pessoal. Não consigo escrever um romance por ano. Neste momento da minha vida, não tenho assunto suficiente para escrever um romance por ano. Tendo publicado um romance no ano passado, dificilmente conseguiria ter um romance publicado neste ano.

 

- Não gosta de trabalhar à pressa?

- Não consigo. Sinto, de alguma forma, que o ‘Livro' marcou um momento que também foi um degrau acima daquilo que tinha feito antes. E, de certa forma, um balanço. O ‘Abraço' acaba também por ter esse carácter. É importante resolver algumas questões que estão em mim, para depois seguir em frente.

 

- Apesar disso, a sua carreira literária, nesta última década foi extensa. Além de quatro romances, publicou inúmeras crónicas, peças de teatro e até letras de músicas.

- Este livro acaba por ser também um aspecto fundamental da minha acção. Ao fazê-lo, gosto de pensar que estou a reconhecer a importância a essa produção. Estes textos terão validade, espero eu, dentro de um ano, cinco anos, ou até depois.

 

- A tecnologia veio corromper a leitura? 

- Acredito que a tecnologia não compromete e pode oferecer novas formas de comunicação e novas perspectivas sobre esta área tão antiga que é a escrita. Pessoalmente, tenho interesse em fazer parte dessa procura e não temê-la. A validade de uma forma de expressão é tanto maior quanto mais conseguir resistir às diversas realidades humanas. E a escrita retrata de forma muito presente essas novas formas.

 

- É poeta e este ano o Nobel reconheceu o sueco Tomas Tranströmer. Foi importante para o género literário esta distinção?

- Confesso que não conhecia a obra desse autor. É importante que a poesia continue a ser considerada dentro dos níveis de maior reconhecimento da literatura. A poesia é um género muitíssimo importante e nós, em Portugal, sabemo-lo muito bem. Apesar disso, e tendo em conta o mercado, a poesia é colocada num segundo plano. Às vezes parece-me que há muito mais gente a escrever poesia do que a ler poesia. O que também me parece uma perversão completa.

 

- Lida bem com a entrega de prémios?

- Quem ganha prémios gosta sempre de os ganhar. Também me parece que os prémios e as diversas formas de reconhecimento devem ser relativizadas. Escrever é também uma forma de reflectir sobre nós próprios e sobre o nosso lugar. O olhar que os outros possam ter sobre o nosso trabalho é importante, mas devemos também confiar no nosso próprio olhar. É muito simpático quando os outros nos dizem que gostam, mas não pode ser tudo. Mas é muito bom receber prémios. Normalmente, quem faz um discurso anti-prémios são os que os não recebem.

 

- José Saramago, de quem era admirador, conseguiu receber um Nobel. É possível a língua portuguesa voltar a ser distinguida? Temos mérito para isso?

- Claro que sim. A língua portuguesa, para já, tem um potencial extraordinário, com várias obras, neste e no outro lado do Atlântico, a comprovarem-no. No entanto, não me parece que seja interessante fazermos depender da agenda do Prémio Nobel o valor que damos à nossa própria literatura. Se derem Prémios Nobel a autores de língua portuguesa, à partida, parece-me muito justo, se não derem não será por isso que os autores têm menos mérito. Hoje em dia, receber um prémio como esse depende de múltiplos factores e não apenas da qualidade literária. Aquilo que um autor se deve preocupar, em primeiro lugar, é com a sua obra e com a qualidade do que produz. Ter também a consciência tranquila em relação à mensagem que envia para o Mundo.

 

- Tem sido visto como um nome da nova literatura portuguesa, juntamente com outros autores como valter hugo mãe ou Gonçalo M. Tavares. Que opinião tem sobre o seu trabalho?

- Gosto bastante. São autores muito diferentes, mas há outros nomes de que poderíamos falar, porque também apresentam trabalhos bastante pessoais, no sentido em que não se tratam de autores que, necessariamente, formam um grupo estético. Aprecio bastante e leio. Encontro-os em múltiplas ocasiões e temos oportunidade de falar sobre o que mais nos preocupa e o que mais no interessa.

 

- Não existe rivalidade?

- Não sinto isso, pessoalmente. Na minha opinião, existe efectivamente uma geração porque se trata de um número bastante coeso no que diz respeito à atenção que merece que têm em comum a particularidade histórica de terem crescido depois do 25 de Abril de 1974. As grandes mudanças estéticas ao nível da literatura sempre estiveram ligadas aos seus contextos históricos e a esta geração coube esta característica de termos vivido neste período.

 

- Não é estranho não haver mulheres mais associadas a essa nova geração?

- Isso é incrível. Existem poucas - não digo que não existam nenhumas - e isso será revelador de alguma coisa que não sei muito bem o que é. Curiosamente na poesia têm surgido mais nomes do que na prosa.

 

- O IVA vai manter-se nos 6% ao contrário das outras áreas culturais. Se isso não acontecesse era o fim da indústria?

- Para já, é possível que exista aí o facto de termos um secretário de Estado [Francisco José Viegas] que tem uma sensibilidade ligada à literatura, sendo escritor. Sendo editor também tem, possivelmente, consciência do impacto que teria na indústria editorial a subida do IVA. Um impacto do IVA seria tremendo. A área editorial, hoje em dia, já não é um parente pobre. Existem grupos com poder, que movimentam muito dinheiro e que, inclusivamente, têm uma agressividade que não tinham antes. Nessa medida, considero muito importante. Até porque a escrita é uma área da Cultura que é fundamental na construção de uma política cultural. Nem é necessário ir buscar as vitórias internacionais que a literatura portuguesa teve e tem tido, basta ver o próprio papel que ela tem, em Portugal, aos mais diversos níveis. A literatura portuguesa contemporânea está de muitíssima boa saúde. Tudo o que se fizer para manter esse vigor é positivo. Mas sei que é uma área que sofre muito com a crise.

 

- Tal como Francisco José Viegas, era capaz de aceitar um cargo político?

- Ainda bem que há pessoas que o fazem, mas pessoalmente seria incapaz. Aí está uma coisa que sei que o futuro não me reserva. Aquilo que sempre quis e continuo a querer é ser escritor e escrever livros.

 

- Mas foi associado ao arranque do movimento dos indignados. Foi apenas uma questão cívica?

- Sim. Não vou prescindir das minhas convicções e da minha acção cívica. Em termos de cargos, não me parece que alguma vez me encontre nessa posição.

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Babelia, El País, 15 outubro 2011

12.05.14

UN PASO ADELANTE

EL PAÍS, BABELIA, 15/10/2011

CRITICA DE ANTONIO SÁEZ DELGADO 

 

LIBRO MARCA un punto de inflexión fundamental en la obra narrativa de José Luís Peixoto (Galveias, Ponte de Sor, 1974), el escritor de la nueva literatura portuguesa más divulgado fuera de sus fronteras, junto con GonçaloM. Tavares. Sus novelas han venido siendo publicadas en España, desde que Hiru presentase Nadie nos mira (2001) y la Editora Regional de Extremadura el relato Te me moriste (2004), gracias al trabajo de El Aleph, en cuyo sello Peixoto ha visto publicados todos sus restantes títulos: Una casa en la oscuridad (2008), Cementerio de pianos (2009) y este sorprendente Libro. Por todo ello, el escritor no es un desconocido para los lectores atentos a la literatura portuguesa, como tampoco lo es para los de la veintena de países donde sus obras son traducidas con regularidad.

 

Si el registro narrativo habitual de José Luís Peixoto venía marcado por un arraigado lirismo que convertía sus historias en profundas parábolas, en Libro parece haber dado un paso adelante hacia unamayor concisión y sobriedad estilística, con una novela que, no obstante, está condicionada de forma determinante por su estructura interna. Porque Libro cuenta con dos partes bien diferenciadas: una primera, la más extensa, donde se narra una historia bajo una perspectiva realista, y que toma como centro la emigración de la población rural portuguesa a Francia en los años sesenta del siglo XX.

Esta primera parte es una estupenda novela en sí misma, desarrollada con talento y escrita con elegancia, un relato construido con técnica cinematográfica si queremos, con numerosos saltos temporales y una estructura profundamente fragmentada. La segunda parte, sin embargo, cambia el registro, y se convierte en una especie de proceso de deconstrucción de la primera, desvelándonos de forma abierta, a menudo entre la novela y el ensayo, el retrato del narrador (llamado como la propia novela, Libro) que escribe la primera parte del volumen. Son páginas sorprendentes en la trayectoria narrativa de su autor, no exentas de rigor pero que se sitúan al borde del derroche intelectual de eso que llamaríamos posmodernidad (criticada también con ironía por el propio narrador), con algunos excesos probablemente prescindibles, pero que no empañan el ambicioso proyecto de este Libro, llamado a convertirse en la novela sobre la emigración escrita por la nueva generación de escritores portugueses, aquellos que no vivieron la Revolución de los Claveles ni las guerras coloniales, pero que partieron de niños o vieron partir muy cerca de ellos a sus seres queridos hacia Francia.

 

Con estos ingredientes, Peixoto articula un interesante discurso sobre la identidad y la orfandad, y elabora en paralelo un maravilloso retrato psicológico del mundo rural portugués que protagoniza, realmente, la historia. Como si metiésemos en una coctelera ingredientes de Lobo Antunes, Saramago y algo de Vergílio Ferreira y Urbano Tavares Rodrigues, Peixoto parece mirarse en el espejo de su propia generación, construyendo un puzle narrativo que a nadie dejará indiferente, y que constituye, sin duda, un antes y un después en su propia trayectoria literaria.

 

 

José Luís Peixoto

Traducción de Carlos Acevedo

El Aleph. Barcelona, 2011

256 páginas. 20,50 euro

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Babélia, El País, 15 outubro 2011

12.05.14

"LOS LIBROS TAMBIÉN LEEN A LOS LECTORES"

BABELIA, EL PAÍS, 15/10/2011

ENTREVISTA DE SERGIO C. FANJUL 

 

Es una de las figuras en ascenso de la literatura portuguesa. Y Libro lo confirma, Una obra que aspira a convertirse en la novela de referencia de la emigración rural de su país con una estructura interna realista, descriptiva y metaliteraria

 

José Luís Peixoto nació en una brecha de la historia portuguesa. En 1974, después de la Revolución de los Claveles que puso fin a la dictadura de forma pacífica. En su último libro, una novela que se titula precisamente Libro (El Aleph), escribe sobre lo que ocurrió en su país antes de que él naciera. "Es arriesgado", explica, "porque las personas que vivieron aquello todavía viven, y todavía tienen mucha capacidad de contar su propia historia. A la gente de mi generación siempre nos recuerdan las cosas que no vivimos, la dictadura, la guerra colonial, la emigración. Es una generación definida por algo que no vivió, porque nacimos en el momento en que cambió la historia del país".

Hay dos temas que preocupan, y mucho, a Peixoto: el mundo rural portugués y la emigración, que son los dos ejes en torno a los que se desarrolla la novela. "El mundo rural tiene múltiples aspectos en contraste. Uno puede encontrar la ternura más conmovedora, la sencillez, la bondad (una palabra que hoy en día no se utiliza mucho), pero también se encuentra lo contrario de eso, lo despiadado, acciones muy crudas, muy violentas. Me gustó poder crear algo que tuviese los dos lados, con personajes que no fuesen ni buenos ni malos, sino que, simplemente, tienen sus razones para obrar como obran". Los padres de Peixoto fueron emigrantes en París, en una época en que había en la capital francesa un millón y medio de portugueses buscándose el sustento (lo que suponía un 15% de la población del país). Pero el autor nació cuando regresaron y vivió en un pequeño pueblo del Alentejo hasta los 18 años. "El tiempo en el campo tiene una importancia enorme, se marca de formas múltiples: tienes contacto con los nacimientos, las muertes, con el crecimiento, con lo mejor y con lo peor. No debemos apartarnos demasiado de la naturaleza, somos seres naturales".

 

La primera parte de la novela trata, con un lenguaje no falto de lirismo, de las peripecias (lo conmovedor y lo crudo) de unos personajes que, en los años sesenta, viven en un pueblo portugués y se ven obligados a emigrar. "Los portugueses que emigraron hacia Francia lo hicieron en condiciones muy difíciles, pasando ilegalmente, siendo perseguidos en Portugal por la policía portuguesa, en España por la Guardia Civil, y llegando a Francia en una situación que muchas veces era peor que lo que dejaban. Vivían once meses de muchas privaciones en Francia para luego tener un mes de opulencia en Portugal. La crudeza de la novela tiene que ver con la crudeza de la realidad que trata de retratar. Escribí, además, sobre esta emigración específica pero tuve en cuenta todas las migraciones, todas las cuestiones actuales en este aspecto". Durante unos años, Portugal pasó de ser emisor de emigrantes a receptor de inmigrantes, "aunque ahora vuelve a ser un país de emigrantes, en unas condiciones muy distintas, con un nivel cultural distinto. Durante diez años recibimos inmigrantes del este de Europa, de las antiguas colonias, de Brasil, etcétera. En muchos aspectos la experiencia de la emigración no fue suficientemente asimilada hasta el punto de tener presente la perspectiva de los otros, y no se les trató todo lo bien que se debería. La literatura tiene la oportunidad de darte la perspectiva de los otros. Por eso creo en la necesidad de esta novela. Somos nuestra historia y hay que aceptarla para comprender lo que somos hoy".

 

En la segunda parte (que ocupa las últimas 50 páginas), la novela da un giro radical y se adentra abruptamente en lo metaliterario, lo experimental. El narrador se dirige al lector, se reflexiona sobre lo anterior, el estilo se torna más actual. Lo cierto es que ese tránsito tiene algo de shock, y si alguien no llega a la página 200, donde empieza esta parte, se llevará una impresión muy diferente de la obra. "La novela no sería la misma sin esa segunda parte, es un cambio total en la manera de ver lo que ocurrió antes. Sólo podría ser escrita hoy en día: trata de jugar con la literatura, con la narrativa, de una forma eficaz, que tenga algún sentido, desmontándola al servicio de algo más grande. Hay un momento en el que el libro se torna un personaje más, un ser. En muchos momentos me parece que el libro va a leer también al lector, porque eso también ocurre. Sería interesante pensar qué opinión tienen los libros de nosotros", bromea. "Para mí también fue un shock empezar a escribir esta parte, un desafío. De todas formas, no me gustaría escribir una novela en la que estuviera completamente cómodo: las librerías, las bibliotecas, están llenas de libros, cuando nosotros nacimos ya existían miles de libros, mientras hablamos se publican libros. Cuando publicas un libro estás diciendo: 'Aquí hay algo en lo que me parece que vale la pena que inviertan unas horas de su vida".

 

 

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Jornal i, novembro 2011

12.05.14

Abraço”, o novo trabalho do escritor, chegou ontem às livrarias. Um conjunto de memórias que comemoram dez anos de escritos do autor. “É um livro que pretende ser positivo”, diz

José Luís Peixoto chega tranquilo. Mãos nos bolsos, sorriso terno e um punhado de histórias para contar, tantas que a entrevista teve de ser cortada a metade, porque o tempo passou, e chegou a hora do escritor seguir para o Porto para apresentar o mais recente livro, “Abraço”, nas Quintas de Leitura. Uma apresentação de dois dias, em moldes diferentes, para um livro que comemora dez anos de escrita. Um conjunto de recordações a partir de textos que José Luís Peixoto publicou nos mais diversos sítios desde 2001. Ao contrário do que se possa pensar, “Abraço” não é um livro de crónicas. Os textos são ligados por um fio, que lhes dá princípio, meio e fim.

 

Podemos dizer que este é um livro de memórias. Das suas.
Sim. Tudo se fica a saber nesse livro, ele conta a minha vida ao pormenor. Para mim não é de maneira nenhuma... [Pausa]. Para mim estamos aqui a conversar, não há nada off the record. Alguém que publica um livro destes não tem off the record.

Ao longo do livro há vários abraços descritos. O que significa este livro?
Este livro não é um depósito de textos ou uma limpeza da gaveta. Este é, efectivamente, um livro. Organizá-lo foi uma tarefa complicada, deixei de fora mais do que o dobro do seu tamanho [657 páginas].

São dez anos.
Estes são os textos que considero válidos.

Válidos?
Que merecem continuar a ser lidos. Queria um livro que tivesse uma narrativa e unidade interna. Tê-lo conseguido é um dos meus maiores orgulhos.

É por isso que não o assume como livro de crónicas?
Tenho alguma dificuldade em entender o género crónica. É útil e felizmente temos uma boa tradição de espaço para crónicas na imprensa, na medida que permite ao autor ter um contacto mais corrente com o leitor, uma vez que os romances demoram muito a escrever. Quem escreve até beneficia porque evolui a sua escrita. Mas em termos do conceito literário de crónica já tenho duvidas, na medida em que tudo é crónica. Até a ficção é crónica de alguma coisa, daquilo que conhecemos, que vivemos, do que somos. Neste livro existe um fio autobiográfico que acaba por fazer, sem erro, que o consideremos como livro de memórias. No entanto fiz questão de incluir textos ficcionais que nem sempre são óbvios para quem lê.

Porque mesmo em ficção a sua escrita é autobiográfica?
Todos os textos têm sempre presente tanto a autobiografia como a ficção. Isto é paradoxal, mas faz parte. As palavras que utilizamos e a forma como estruturamos as narrativas, são o reflexo do que somos. Se por um lado nunca podemos descrever aquilo que desconhecemos, também é verdade que ao passarmos essas experiências pelo nosso filtro, retiramos-lhe a imparcialidade absoluta. Há, portanto, um carácter tendencioso e em certa medida, ficcional.

Algumas interpretações podem não ser agradáveis. Convive bem com isso?
Convivo e procuro-as de uma forma feroz. De alguma forma este carácter tão autobiográfico do “Abraço” é um reflexo da minha necessidade de me pôr em causa de cada vez que escrevo. Se escrever algo em que as pessoas acreditam, é positivo. Mesmo que isso faça com que as pessoas tenham uma visão negativa de mim, enquanto personagem. O leitor não é indiferente à ideia que possa ter do autor. Muitas vezes chego a intimidades bastante constrangedoras, mas que são uma experiência.

Já aconteceu escrever coisas e depois de uma interpretação do leitor, desvendar outras em relação ao que escreveu?
Muitas vezes há coisas que me são mostradas sob uma luz que não tinha considerado. Mas nunca sobre mim próprio. Não me conheço totalmente, mas em relação aos leitores tenho consciência que aquilo que eles podem construir sobre mim é uma personagem. E uma personagem é sempre menor que uma pessoa. Mas admito que este livro dá muitas pistas sobre mim, vai ser difícil contar histórias, sem me repetir, a quem ler o livro. As minhas histórias estão todas aí [aponta para o livro].

Recriou três conversas para o dividirem três partes -uma como seu filho mais novo, a segunda como mais velho e a última consigo próprio. Qual a dose de realidade e de ficção?
Há ficção claro, as conversas não aconteceram naqueles moldes, mas são pilares do livro. A primeira é muito importante porque aparece no início, quando se lançam pressupostos do que vai ser o livro. No fim da conversa com o André [novo] chegamos à resposta: “Porque o amor”. Esse é o grande centro do livro. É um livro com muito afecto, que pretende ser positivo e fazer bem.

Não é uma escrita dura e crua como estamos habituados.
Nem pensar. O início é tranquilo porque é infância, alentejana e feliz, quase com um olhar saudoso. Há momentos mais difíceis no livro, mas sinto que o balanço foi feito. Olho para este livro e percebo que a minha vida tem sido gratificante. As experiências dolorosas fizeram-me crescer e sinto-me privilegiado.

Estão presentes várias relações familiares e de amizade. No entanto parece que é dedicado aos seus filhos?
Não tenho dúvidas que os meus filhos são os meus maiores feitos. Percebi que poderia ser não apenas uma forma de estruturar o livro, mas poder dizer-lhes: “Isto é o que eu sou”.

É uma carta aberta aos seus filhos?
Pode ser. Espero que muitas pessoas possam ler o livro, mas em última análise, no futuro, os destinatários são os meus filhos. A paternidade sempre esteve presente em tudo aquilo que escrevi. Primeiro como filho e aos poucos como pai. Sempre me trouxe muitas questões e me fez saber mais sobre mim. Percebi melhor o meu pai. Quando escrevi o último romance [“Livro”] percebi que de alguma forma o meu pai era eu. Quando nasci ele tinha todo aquele tamanho porque já cá estava. Mas depois eu fui pai. Não sei como dizer... [pausa]

Tomou o lugar dele?
No sentido em que os meus filhos me viam como eu o via a ele. Então havia um desfasamento porque sou uma pessoa com fragilidades, defeitos e múltiplas questões. Claro que imaginar os meus filhos a ler alguns dos textos causa-me algum pudor. E isso já não acontece se pessoas que não conheço os lerem. É a tal coisa que falava antes de me pôr em causa com verdade.

Neste caso com as pessoas próximas.
É fundamental humanizarmo-nos, espero que o livro consiga fazer isso. Mitificamos demasiado as pessoas, tanto políticos, como personalidades. Parece-me um sinal de desconhecimento.

Num dos textos diz que deseja que não exista pudor na relação pai/filho. Como era com os seus pais?
Acho que sim. Os meus pais são de outra geração, um nasceu nos anos 30 e outro nos 40, e cresceram num meio em que as relações entre pais e filhos eram diferentes. Sempre os tratei por “você”, não pela via Cascais, mas por um certo distanciamento e respeito. Não estou a criticá-los, acho importante que os pais sejam pais, mas há limites que devem ser limados.

Há três ilustrações no livro. Fale-nos delas.
Dizem respeito a um texto específico. A primeira são as notas da 1ª classe. Dizem que sou “irrequieto e falador”. Pensei chamar assim este livro, é algo que me define um pouco. A segunda é uma entrevista, um pouco radical, à banda que tive aos 18 anos, Hipocondríacos. A última é um autógrafo do Saramago dirigido a José Luís Pacheco, havia muita gente que me chamava assim.

Por falar na banda. A música está muito presente na sua vida e era acérrimo frequentador do Luxe da Bica. Ainda?
Já fui mais, tenho uma vida muito agitada, mas hoje em dia não passa por aí. Acho que já não vou ao Lux há três anos, e à Bica há uns meses. Aproveito o tempo para escrever e ler. Como viajo muito, gosto de sair à noite fora de Portugal. Mas aqui vou a muitos concertos. Por exemplo [começa a procurar qualquer coisa no bolso], já tenho comigo um porta-chaves [mostra] que dá para guardar tampões para os ouvidos. Ou seja, já é de outra maneira. Já me preocupo em ficar surdo. [risos]

Tem feito letras para músicos e o próximo CD do Jorge Palma tem uma letra sua.
Isso é um feito. Quando fizer a contabilidade da minha vida vou dizer: “Eh pá, fiz uma letra para o Jorge Palma. Fantástico!” A música tem estado presente na minha vida de uma forma diferente e espero que permaneça. Também fiz letras para os Da Weasel, para fadistas e grupos dos mais diversos, até de metal.

Ainda ouve heavy metal?
Claro, sempre esteve presente. Às vezes sinto que o metal é uma vocação. Não sei definir, exactamente, porque é que o género me fala tão profundamente. Comecei a ouvir com 11 anos.

O que lhe trouxe a infância no Alentejo?
Estrutura. Trouxe-me a minha visão do mundo e como encarar o tempo. Não é uma questão pequena. Diz-se que a fotografia é feita com luz. A escrita é feita com tempo. Não tenho dúvidas.

Por um lado, o Alentejo e Natureza, por outro, a imagem de escrever num lugar escuro, janelas fechadas. Como é feito este equilíbrio?
Escrever é um momento em que se olha para dentro, é, muitas vezes, recordar com os olhos abertos. Não é fundamental ter um grande apelo do exterior, uma grande paisagem, não ajuda à escrita. Distrai.

Tem uma relação obsessiva com a escrita?
Sim, quando estou envolvido na escrita de um romance faço coisas com menos frequência: tomar banho, comer, cortar as unhas [mostra as unhas compridas]. As pessoas próximas sabem que fico ausente. São momentos solitários, mas bons.

Foi pai do João aos 22 anos e o seu pai tinha falecido um ano antes. Como é que se fez esta mudança?
Foi um momento determinante e teve uma repercussão imensa no que escrevo. Foi o momento em que escrevi os meus primeiros livros. O “Morreste-me”, o “Nenhum Olhar”, que nascem dessa constatação de ter terminado uma idade, que para mim era tudo. E ter começado outra de uma forma abrupta e para a qual eu não estava totalmente preparado. Daí que essas questões da paternidade estejam sempre presentes. Os pais são o passado que nós conseguimos compreender.

Qual a mensagem global do livro?
O centro é o amor, mas existem outros temas: a escrita é um tema muito importante, as viagens, a interrogação sobre o meu próprio lugar no mundo. Sinto que é um livro que pretende ser apaziguador.

Reconfortante.
É uma boa palavra. Tenta ser aquilo que um abraço é. Que se oferece sem reservas e que não pede nada em troca.

É a mensagem mais importante para os seus filhos?
Sim. Quando se encontra alegria e prazer em dar, somos ricos.

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Revista Caixa Azul, 2011

04.04.14

José Luís Peixoto / "Escrever é recordar de olhos abertos"

 

“Abraço”, o novo trabalho do escritor, chegou ontem às livrarias. Um conjunto de memórias que comemoram dez anos de escritos do autor. “É um livro que pretende ser positivo”, diz

José Luís Peixoto chega tranquilo. Mãos nos bolsos, sorriso terno e um punhado de histórias para contar, tantas que a entrevista teve de ser cortada a metade, porque o tempo passou, e chegou a hora do escritor seguir para o Porto para apresentar o mais recente livro, “Abraço”, nas Quintas de Leitura. Uma apresentação de dois dias, em moldes diferentes, para um livro que comemora dez anos de escrita. Um conjunto de recordações a partir de textos que José Luís Peixoto publicou nos mais diversos sítios desde 2001. Ao contrário do que se possa pensar, “Abraço” não é um livro de crónicas. Os textos são ligados por um fio, que lhes dá princípio, meio e fim.

 

Podemos dizer que este é um livro de memórias. Das suas.
Sim. Tudo se fica a saber nesse livro, ele conta a minha vida ao pormenor. Para mim não é de maneira nenhuma... [Pausa]. Para mim estamos aqui a conversar, não há nada off the record. Alguém que publica um livro destes não tem off the record.

Ao longo do livro há vários abraços descritos. O que significa este livro?
Este livro não é um depósito de textos ou uma limpeza da gaveta. Este é, efectivamente, um livro. Organizá-lo foi uma tarefa complicada, deixei de fora mais do que o dobro do seu tamanho [657 páginas].

São dez anos.
Estes são os textos que considero válidos.

Válidos?
Que merecem continuar a ser lidos. Queria um livro que tivesse uma narrativa e unidade interna. Tê-lo conseguido é um dos meus maiores orgulhos.

É por isso que não o assume como livro de crónicas?
Tenho alguma dificuldade em entender o género crónica. É útil e felizmente temos uma boa tradição de espaço para crónicas na imprensa, na medida que permite ao autor ter um contacto mais corrente com o leitor, uma vez que os romances demoram muito a escrever. Quem escreve até beneficia porque evolui a sua escrita. Mas em termos do conceito literário de crónica já tenho duvidas, na medida em que tudo é crónica. Até a ficção é crónica de alguma coisa, daquilo que conhecemos, que vivemos, do que somos. Neste livro existe um fio autobiográfico que acaba por fazer, sem erro, que o consideremos como livro de memórias. No entanto fiz questão de incluir textos ficcionais que nem sempre são óbvios para quem lê.

Porque mesmo em ficção a sua escrita é autobiográfica?
Todos os textos têm sempre presente tanto a autobiografia como a ficção. Isto é paradoxal, mas faz parte. As palavras que utilizamos e a forma como estruturamos as narrativas, são o reflexo do que somos. Se por um lado nunca podemos descrever aquilo que desconhecemos, também é verdade que ao passarmos essas experiências pelo nosso filtro, retiramos-lhe a imparcialidade absoluta. Há, portanto, um carácter tendencioso e em certa medida, ficcional.

Algumas interpretações podem não ser agradáveis. Convive bem com isso?
Convivo e procuro-as de uma forma feroz. De alguma forma este carácter tão autobiográfico do “Abraço” é um reflexo da minha necessidade de me pôr em causa de cada vez que escrevo. Se escrever algo em que as pessoas acreditam, é positivo. Mesmo que isso faça com que as pessoas tenham uma visão negativa de mim, enquanto personagem. O leitor não é indiferente à ideia que possa ter do autor. Muitas vezes chego a intimidades bastante constrangedoras, mas que são uma experiência.

Já aconteceu escrever coisas e depois de uma interpretação do leitor, desvendar outras em relação ao que escreveu?
Muitas vezes há coisas que me são mostradas sob uma luz que não tinha considerado. Mas nunca sobre mim próprio. Não me conheço totalmente, mas em relação aos leitores tenho consciência que aquilo que eles podem construir sobre mim é uma personagem. E uma personagem é sempre menor que uma pessoa. Mas admito que este livro dá muitas pistas sobre mim, vai ser difícil contar histórias, sem me repetir, a quem ler o livro. As minhas histórias estão todas aí [aponta para o livro].

Recriou três conversas para o dividirem três partes -uma como seu filho mais novo, a segunda como mais velho e a última consigo próprio. Qual a dose de realidade e de ficção?
Há ficção claro, as conversas não aconteceram naqueles moldes, mas são pilares do livro. A primeira é muito importante porque aparece no início, quando se lançam pressupostos do que vai ser o livro. No fim da conversa com o André [novo] chegamos à resposta: “Porque o amor”. Esse é o grande centro do livro. É um livro com muito afecto, que pretende ser positivo e fazer bem.

Não é uma escrita dura e crua como estamos habituados.
Nem pensar. O início é tranquilo porque é infância, alentejana e feliz, quase com um olhar saudoso. Há momentos mais difíceis no livro, mas sinto que o balanço foi feito. Olho para este livro e percebo que a minha vida tem sido gratificante. As experiências dolorosas fizeram-me crescer e sinto-me privilegiado.

Estão presentes várias relações familiares e de amizade. No entanto parece que é dedicado aos seus filhos?
Não tenho dúvidas que os meus filhos são os meus maiores feitos. Percebi que poderia ser não apenas uma forma de estruturar o livro, mas poder dizer-lhes: “Isto é o que eu sou”.

É uma carta aberta aos seus filhos?
Pode ser. Espero que muitas pessoas possam ler o livro, mas em última análise, no futuro, os destinatários são os meus filhos. A paternidade sempre esteve presente em tudo aquilo que escrevi. Primeiro como filho e aos poucos como pai. Sempre me trouxe muitas questões e me fez saber mais sobre mim. Percebi melhor o meu pai. Quando escrevi o último romance [“Livro”] percebi que de alguma forma o meu pai era eu. Quando nasci ele tinha todo aquele tamanho porque já cá estava. Mas depois eu fui pai. Não sei como dizer... [pausa]

Tomou o lugar dele?
No sentido em que os meus filhos me viam como eu o via a ele. Então havia um desfasamento porque sou uma pessoa com fragilidades, defeitos e múltiplas questões. Claro que imaginar os meus filhos a ler alguns dos textos causa-me algum pudor. E isso já não acontece se pessoas que não conheço os lerem. É a tal coisa que falava antes de me pôr em causa com verdade.

Neste caso com as pessoas próximas.
É fundamental humanizarmo-nos, espero que o livro consiga fazer isso. Mitificamos demasiado as pessoas, tanto políticos, como personalidades. Parece-me um sinal de desconhecimento.

Num dos textos diz que deseja que não exista pudor na relação pai/filho. Como era com os seus pais?
Acho que sim. Os meus pais são de outra geração, um nasceu nos anos 30 e outro nos 40, e cresceram num meio em que as relações entre pais e filhos eram diferentes. Sempre os tratei por “você”, não pela via Cascais, mas por um certo distanciamento e respeito. Não estou a criticá-los, acho importante que os pais sejam pais, mas há limites que devem ser limados.

Há três ilustrações no livro. Fale-nos delas.
Dizem respeito a um texto específico. A primeira são as notas da 1ª classe. Dizem que sou “irrequieto e falador”. Pensei chamar assim este livro, é algo que me define um pouco. A segunda é uma entrevista, um pouco radical, à banda que tive aos 18 anos, Hipocondríacos. A última é um autógrafo do Saramago dirigido a José Luís Pacheco, havia muita gente que me chamava assim.

Por falar na banda. A música está muito presente na sua vida e era acérrimo frequentador do Luxe da Bica. Ainda?
Já fui mais, tenho uma vida muito agitada, mas hoje em dia não passa por aí. Acho que já não vou ao Lux há três anos, e à Bica há uns meses. Aproveito o tempo para escrever e ler. Como viajo muito, gosto de sair à noite fora de Portugal. Mas aqui vou a muitos concertos. Por exemplo [começa a procurar qualquer coisa no bolso], já tenho comigo um porta-chaves [mostra] que dá para guardar tampões para os ouvidos. Ou seja, já é de outra maneira. Já me preocupo em ficar surdo. [risos]

Tem feito letras para músicos e o próximo CD do Jorge Palma tem uma letra sua.
Isso é um feito. Quando fizer a contabilidade da minha vida vou dizer: “Eh pá, fiz uma letra para o Jorge Palma. Fantástico!” A música tem estado presente na minha vida de uma forma diferente e espero que permaneça. Também fiz letras para os Da Weasel, para fadistas e grupos dos mais diversos, até de metal.

Ainda ouve heavy metal?
Claro, sempre esteve presente. Às vezes sinto que o metal é uma vocação. Não sei definir, exactamente, porque é que o género me fala tão profundamente. Comecei a ouvir com 11 anos.

O que lhe trouxe a infância no Alentejo?
Estrutura. Trouxe-me a minha visão do mundo e como encarar o tempo. Não é uma questão pequena. Diz-se que a fotografia é feita com luz. A escrita é feita com tempo. Não tenho dúvidas.

Por um lado, o Alentejo e Natureza, por outro, a imagem de escrever num lugar escuro, janelas fechadas. Como é feito este equilíbrio?
Escrever é um momento em que se olha para dentro, é, muitas vezes, recordar com os olhos abertos. Não é fundamental ter um grande apelo do exterior, uma grande paisagem, não ajuda à escrita. Distrai.

Tem uma relação obsessiva com a escrita?
Sim, quando estou envolvido na escrita de um romance faço coisas com menos frequência: tomar banho, comer, cortar as unhas [mostra as unhas compridas]. As pessoas próximas sabem que fico ausente. São momentos solitários, mas bons.

Foi pai do João aos 22 anos e o seu pai tinha falecido um ano antes. Como é que se fez esta mudança?
Foi um momento determinante e teve uma repercussão imensa no que escrevo. Foi o momento em que escrevi os meus primeiros livros. O “Morreste-me”, o “Nenhum Olhar”, que nascem dessa constatação de ter terminado uma idade, que para mim era tudo. E ter começado outra de uma forma abrupta e para a qual eu não estava totalmente preparado. Daí que essas questões da paternidade estejam sempre presentes. Os pais são o passado que nós conseguimos compreender.

Qual a mensagem global do livro?
O centro é o amor, mas existem outros temas: a escrita é um tema muito importante, as viagens, a interrogação sobre o meu próprio lugar no mundo. Sinto que é um livro que pretende ser apaziguador.

Reconfortante.
É uma boa palavra. Tenta ser aquilo que um abraço é. Que se oferece sem reservas e que não pede nada em troca.

É a mensagem mais importante para os seus filhos?
Sim. Quando se encontra alegria e prazer em dar, somos ricos.

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