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Sobre Almoço de Domingo, in Expresso, maio 2021

01.11.24

 

Não é fortuito que o último livro de José Luís Peixoto (J.L.P.) seja lançado a 25 de março, uma vez que a sua ação se distribui ao longo dos três dias seguintes, que rapidamente se descobrem ser a antevéspera, a véspera e o dia concreto do nonagésimo aniversário do protagonista, 28 de março de 2021; nem é por acaso que nomes reais e geografias concretas se cruzam, estiradas mais além das palavras que vão grafando o percurso de uma vida: a do senhor Rui, também conhecido por comendador Manuel Rui Azinhais Nabeiro. Dispensar-me-ei de tecer considerações sobre esta personalidade forte e generosa. Também o autor me eximirá, confio, de o referir enquanto tal, para me reservar ao modo como consegue ajustar uma vida que desenha a obra e uma obra que desenha a vida. Insisto não ser um romance biográfico nem uma nova recolha e compilação de memórias, o que poderia ser o eixo de uma sinopse redutora e incorreta do que as páginas, na realidade, espelham; seria fácil, mas a leitura evidencia o erro de perspetiva e diverge fatalmente do ângulo traçado por J.L.P. Não nos surpreende a capacidade do escritor em tornar tátil, audível e, de algum modo, corporizar o etéreo em gestos sem movimento; o que surpreende é o modo como os sentimentos, as memórias, o olhar feito de muitos anos de vida e afetos se transformam em narrativa, embora não em ficção. Reconhecemos o senhor Rui, a sonoridade amorável do nome “Alice” e do de cada um dos filhos, netos e bisnetos, quase revivemos com ele o cheiro do carro que o pai conduzia, quase refazemos com ele os “mandados” (recados) à mãe, recuperamos com ele a memória dos caminhos dos montes e dos vales, mas acima de tudo — graças ao escritor — sentimos que o seu desígnio perdura e que, sobrepondo-se às múltiplas facetas conhecidas, nos devolve o olhar através do qual vive, se expressa e pensa: de dentro para fora. Poder-se-ia dizer que a história é conhecida, mas a relação entre os dois apenas o convite que J.L.P. nos endereça para este “Almoço de Domingo” consegue explicar.

LUÍSA MELLID-FRANCO

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Sobre Almoço de Domingo, in Diário de Notícias, março 2021

31.10.24

Após ter escrito uma biografia sobre várias personagens dos romances de José Saramago, intitulado Autobiografia, e um dos melhores livros da literatura portuguesa do ano de 2019, José Luís Peixoto regressa esta semana com um romance biográfico: Almoço de Domingo. Não é uma experiência frequente entre os nossos escritores, pois afinal trata-se de alguém que se conhece bem e que dificilmente se escolheria para protagonista de um género como é o deste seu novo livro: Rui Nabeiro, o empresário do café.

A surpresa é grande para o leitor, mas o autor não o defrauda. Está retratada a sua vida como se fosse um personagem de ficção que tivesse inventado e não falta biografia ao comendador para encher as duas centenas e meia de páginas. Pode-se sempre dizer falta isto ou falta aquilo, mas nenhum livro é total.

Inesperado é também o tempo em que se situa a narrativa, um dia depois de o livro chegar às livrarias e nos dois seguintes. Daí que José Luís Peixoto diga: "Pela primeira vez, terei um livro cuja ação acontece num tempo posterior à data da sua publicação.”

 

Porquê uma biografia do comendador Rui Nabeiro?

Este livro não é uma biografia, é um romance. Esse detalhe tem uma importância imensa e faz toda a diferença. É certo que se trata de um romance biográfico, mas note-se qual o substantivo e qual o adjetivo neste conceito. Seria muitíssimo diferente se fosse uma biografia romanceada, por exemplo. Ao afirmá-lo em primeiro lugar como romance, há aqui a intenção de afirmar a dimensão ficcional como determinante na narrativa. O fio estrutural do texto, por exemplo, acontece nos dias 26, 27 e 28 de março, que ainda não tinham tido lugar durante a escrita do livro e, por isso, são necessariamente ficcionais, embora baseados em elementos concretos dos hábitos e do presente de Rui Nabeiro. Esta abordagem é válida também para as memórias menciona-das. Uma grande parte delas aconteceu em moldes semelhantes aos que são descritos no livro; ainda as-sim, o facto de serem apresentados sobre a perspetiva do protagonista, tal como outras escolhas que fiz, co-locam-nas inexoravelmente numa dimensão ficcional. Além desse as-peto, achei extraordinária a oportunidade de construir um texto literário a partir das memorias de um homem de quase 90 anos. Ainda para mais alguém com um papel muitíssimo marcante na sua região e também no país. Logo, os contornos mais elementares da sua história são bastante cativantes.

 

Até que ponto Rui Nabeiro estava no seu imaginário?

Embora a nível nacional haja alguma ideia acerca de quem é Rui Nabeiro, creio que, no Alentejo, há uma visão mais próxima. Circulam muitas histórias acerca da sua generosidade.  Essa era também a impressão que tinha sobre ele. Para além disso, havia também Campo Maior, que é um lugar onde já tinha estado muitas vezes. Em criança e adolescente, frequentava a vila de Campo Maior nas provas de atletismo distritais que tinham lugar no estádio do Campomaiorense, estive várias vezes nas Festas do Povo e, muito especialmente, acompanhei muitas vezes o meu pai em trabalhos de carpintaria que desenvolveu em Campo Maior. Recordo ouvir a admiração com que o meu pai falava de Rui Nabeiro, por tudo o que construiu na sua terra. Ao mesmo tempo, sempre senti muita curiosidade por esta vivência da fronteira, um Alentejo que tinha muito interesse de tratar.

 

Escreve que "o passado tem de provar constantemente que existiu". Foi este o objetivo do livro?

De certa forma, essa ideia é realmente o centro do romance. Na medida em que as memórias, essa reconstrução do passado, são o centro do romance. Em simultâneo, fascina-me a ideia de, ao longo de uma vida, se ser contemporâneo de realidades tão dispares. Com os 46 anos que tenho, já sinto dificuldade de explicar muito do que testemunhei aos meus filhos. Suponho que, com 90 anos, se sinta uma dificuldade ainda maior de explicar o que se viveu aos bisnetos. Assim, carregamos essas realidades impartilháveis. Em vários momentos, este romance tenta dar corpo, nos limites da literatura, a essas memórias.

 

Como foi a investigação para contar a história do protagonista?

Existiu um período de leitura e de pesquisa muito importante, pois há bastantes trabalhos à volta da vida de Rui Nabeiro. Ao mesmo tempo, houve as conversas com o próprio Rui Nabeiro, que me serviram sobretudo para entrar em detalhes, para recolher certas impressões. Foram cerca de uma dúzia de conversas, em que, no fundo, tentei chegar àquilo que só ele me poderia dizer.

 

Até que ponto o biografado se intrometeu no trabalho do autor?

De acordo com o que combinámos no início, fui-lhe disponibilizando uma primeira versão do trabalho à medida que ia progredindo. As quatro ou cinco observações que fez foram apenas no sentido de corrigir algum pormenor que eu tinha entendido mal. Mesmo quando tomei algumas liberdades criativas mais ousadas, todas as minhas propostas foram sempre aceites.

 

Um dos grandes problemas das personagens literárias é dar-lhes espessura e credibilidade. Neste caso, que tem biografia a mais, como foi a triagem?

Por um lado, tenho a consciência de que se trata de um texto que sugere, que simboliza. Numa biografia, seria necessário aprofundar todas as dimensões dessa vida. Aqui, pude justamente fazer uma escolha de episódios de acordo com a minha visão pessoal. Desse modo, há vários temas estruturais do romance que são privilegiados, como é o caso da dimensão familiar, por exemplo. Que, aliás, está presente no título.

 

Há vários pormenores que resultam da observação direta e outros de relatos. Foi complicado recolhê-los?

Esse é um trabalho que tenho aprendido a apreciar. Antes, no romance Autobiografia, já tinha trabalhado bastante essas competências no que toca à figura de José Saramago. Aqui, o processo de trabalho partiu de algumas características diferentes, como foi o caso de contar com a participação do protagonista do texto.

 

Descreve a "televisão tapada com um pano" à espera de começara emissão. Houve histórias do passado que o surpreenderam?

Sim, várias. Recordo-me, por exemplo, do "enterro do fascismo", que Rui Nabeiro me descreveu e que, em Campo Maior, foi feito à imagem do “enterro do Entrudo”, que se faz em certos festejos populares. Poderia ainda lembrar-me de muitos outros Rui Nabeiro nasceu em 1931, eu nasci 43 anos depois, e por isso este romance contribuiu também para saber mais sobre um tempo que não vivi, como já aconteceu com outros textos que publiquei antes.

 

"Hei de ser um rico diferente dos que há por aí." Concorda que o percurso de Rui Nabeiro pode ser descrito deste modo?

Creio que sim. Aliás, é muito engraçado que ainda hoje Rui Nabeiro não gosta de ser tratado por "rico". Creio que a dificuldade de aceitar essa palavra tem a ver com o sentido que tinha para ele. No Alentejo, ser “rico” é normalmente associado a alguém que tem uma história e um comportamento muito diferente daquele que Rui Nabeiro sempre teve e continua a ter.

 

O tema do contrabando na raia não poderia escapar, nem mesmo quando cidadãos aproveitam a comitiva de Mário Soares para o fazer?

Sem dúvida. Trata-se de um tema muito relevante naquela região. Achei, até, que precisava de gerir um pouco esse tema, pois poderia facilmente tomar conta de todo o romance. Ainda assim achei curioso incluir esse episódio por tudo o que tem de expressivo acerca do período histórico e dos envolvidos.

 

Um dos piores momentos da vida de Nabeiro foram os 17 meses “exilado” em Badajoz?

Não sei dizer. A vida de Rui Nabeiro tem muitos êxitos, mas, como acontece com todas as pessoas, também tem momentos mais difíceis. Tenho a sensação de que os piores estão ligados ao desaparecimento dos seus familiares mais próximos, nomeadamente a morte precoce do seu pai, que o marcou muito e que, em grande medida, o levou a fazer muitas das escolhas de vida que construíram a pessoa que hoje é. Sendo esse, aliás, um aspecto com o qual me identifico pessoalmente.

 

Um dos piores momentos da vida de Nabeiro foram os 17 meses “exilado” em Badajoz?

Não. Existem, realmente, muitos mitos em torno de Rui Nabeiro. Creio que este romance comunica com várias dessas ideias, desafiando-as às vezes. Mas seria muito difícil desfazê-las completamente.

 

Como foi estruturar uma narrativa de vida de nove décadas e encontrar as datas que marcam uma vida de modo a despertar o interesse do leitor?

Tive de fazer algumas escolhas. Esta vida poderia ter sido retratada a partir de múltiplas perspetivas. Tentei seguir, sobretudo, um caminho ligado a uma dimensão pessoal, talvez porque esse é o meu primeiro instinto, mas também talvez por incapacidade minha. Acredito que a minha vocação é abordar os temas a partir dessa dimensão pessoal.

 

Escreve: "Felipe González novo estava dentro do Felipe González velho." Nabeiro também pode ser assim descrito agora?

Creio que sim. Até porque a vitalidade de Rui Nabeiro é, ainda hoje, bastante invejável. Estamos a falar de um homem que tem uma agenda bastante preenchida, que não abdica de desenvolver pessoalmente múltiplos projetos.

 

Ao contrário de Marcello Caetano, o nome de Salazar nunca aparece. Há alguma razão?

Rui Nabeiro encontrou-se com Marcello Caetano. Essa reunião espoletou o seu afastamento da Câmara de Campo Maior. Mas não chegou a ter nenhum encontro com Salazar, apenas o viu ao longe na inauguração da ponte sobre o Tejo.

 

"O tempo só existe quando paramos." Um pensamento do autor ou do protagonista?

Nessa circunstância, é um pensamento do narrador. Todas as frases do livro são minhas.

 

Qual o peso das memórias sobre um homem com tanto poder e qual o efeito no autor enquanto investigava e escrevia?

No início, quando nos encontrámos pela primeira vez, senti-me um pouco impactado por essa dimensão. Mas ao longo dos encontros que tivemos, também à medida que ia sabendo mais sobre ele, foi-se humanizando cada vez mais aos meus olhos, o que não é difícil, uma vez que Rui Nabeiro é, reconhecidamente, um homem de trato muito fácil e invulgarmente afável.

 

Ao chegar às livrarias na próxima quinta-feira, o livro antecipa em três dias o cenário com que termina o livro. Porquê?

A chegada às livrarias nessa data é possível graças ao extraordinário sentido de oportunidade da Quetzal Editores, que fez um trabalho notável. Tanto mais que neste mês de março, devido aos grandes constrangimentos que atravessamos, apenas vai publicar dois títulos: este e uma reedição de Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes. Fiquei muito satisfeito com a possibilidade de o romance sair nesta ocasião. Pela primeira vez, terei um livro cuja ação acontece num tempo posterior à data da sua publicação.

João Céu e Silva

 

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Sobre Almoço de Domingo, in Jornal de Negócios, março 2021

19.03.21

Enquanto povo, precisamos de trabalhar a consciência coletiva

Rui Nabeiro, fundador do império dos cafés Delta, vai completar 90 anos a 28 de março. Para celebrar a data convidou José Luís Peixoto para escrever a sua biografia. A proposta foi recusada. O autor preferiu escrever um romance biográfico e o empresário aceitou o desafio “na hora”, diz. O resultado está em “Almoço de Domingo”, um livro editado pela Quetzal, que chega às bancas a 25 de março. É uma das duas obras que o escritor lançou durante a pandemia. A primeira foi um livro de poesia. O confinamento acabou por ser um tempo produtivo, mas trouxe-lhe um sentimento de claustrofobia, que só desvaneceu com a dedicação ao trabalho. Peixoto sente falta de estar com os leitores porque eles “contaminam os outros”, fazem circular ideias. E os portugueses precisam de trabalhar a sua capacidade de análise e debate.

 

O comendador Rui Nabeiro convidou-o para escrever a sua biografia. Porque não aceitou?

Uma biografia tem um compromisso com a realidade histórica e factual. Sou um grande leitor de biografias. Tenho imensas. Mas não tenho muito interesse em escrever biografias, porque é um trabalho mais do âmbito da História. Já o romance é uma narrativa com outras regras. Existe uma subtileza que tenho vindo a trabalhar há algum tempo, que é a ficção ter uma ligação com os factos. O romance permite certas subjetividades. É como se a biografia fosse uma filmagem e a literatura fosse a nossa memória. Sinto-me mais vocacionado para trabalhar a literatura. Quando expus a ideia do romance, o senhor Nabeiro aceitou na hora. E comecei logo a trabalhar. Recolhi uma quantidade enorme de material em Campo Maior. Pouco tempo depois, já nos estávamos a encontrar.

 

Não é arriscado escrever um romance biográfico sobre alguém que ainda está vivo? Corre o risco de a pessoa dizer que não se revê na obra.

É muito complicado e tem detalhes sensíveis que podem sempre ser difíceis de gerir. Mas o senhor Nabeiro entendeu a minha explicação. Esta abordagem está presente em praticamente todos os livros que escrevi até hoje. Primeiro numa vertente autobiográfica, ou seja, trabalhando as minhas próprias memórias e, gradualmente, afastando-me delas. O meu romance anterior, “Autobiografia”, tem como personagem central o José Saramago e toca a sua vida também de uma forma muito literária. Este romance “Almoço de Domingo”, a meu ver, vai um passo mais à frente nessa proposta, ao ter um protagonista que está vivo e que tem as suas memórias como um grande património pessoal. Fiquei muito seduzido por esta ideia de lidar com um homem, que na altura tinha 88 anos, e de ele partilhar comigo as suas memórias. Isso é uma matéria realmente privilegiada e, ao mesmo tempo, muito sensível. Aceitar escrever algo que ensaia uma espécie de síntese daquela vida é intenso. É uma proposta bastante ambiciosa. Essa ambição também me seduziu. Por outro lado, escrever sobre o senhor Rui Nabeiro é uma maneira de escrever sobre mim. Há certos aspetos em que coincido muito diretamente com ele. Por exemplo, na ligação às origens. Esse vínculo inquebrável que existe no senhor Rui Nabeiro também sinto que existe em mim. Ou, por exemplo, a questão da família. O próprio título do livro- “Almoço de Domingo”- tem que ver com uma imagem familiar. O livro passa-se em três dias- 26, 27 e 28 de março de 2021. O domingo (28 de março) é o dia do aniversário do Rui Nabeiro. E no aniversário existe o encontro com a família.

 

Foi o romance “Autobiografia” que levou Rui Nabeiro a convidá-lo a escrever este livro?

Sim, O senhor Nabeiro viu-me numa entrevista na televisão, quando estava a fazer promoção do livro, e foi a partir daí que pediu para falar comigo. Fui a Campo Maior para falar com ele e nem sabia do que se tratava quando ia no caminho.

 

Como é que se preparou para escrever este romance?

Primeiro li muito material de imprensa, participações do senhor Nabeiro em livros, vídeos...Mas, para descrever situações concretas precisava de falar com ele. Este é um livro que tem dimensões muito pessoais das suas memórias de criança, adolescente e já adulto. Só que para marcarmos os nossos encontros era complicadíssimo. Ele tem uma agenda com dias todos marcados. Quando estávamos a conversas, o telefone estava constantemente a receber mensagens. Tem uma vida muito cheia. E, tendo em conta que daqui a uns dias faz 90 anos, isso é muito impressionante. Nessas conversas, chegou a dar-me matrículas de carros. Incluí, por exemplo, a matrícula do primeiro carro que teve nos anos 1950 ou detalhes como os locais onde passou a lua de mel. Ele lembra-se de tudo. São memórias que têm um potencial narrativo extraordinário. É uma vida de 90 anos muito particular, com uma história muito marcante a muitos níveis. Tem elementos muito fortes para fazer um livro. Apesar de ser um livro de ficção e de eu ter tentado descrevê-lo com essa dimensão literária, pretende ser também exemplar de um homem de 90 anos. Eu já tinha feito algo parecido. O romance “Galveias”, que é o nome da aldeia onde nasci, passa-se num lugar muito concreto, que existe. Ao mesmo tempo, também pretende ser uma aldeia exemplar do interior de Portugal. É claro que a história do senhor Rui Nabeiro é bastante específica- o contrabando, Campo Maior, a sua vida empresarial, a família... Mas, numa certa dimensão, pode ser considerada como uma vida exemplar. Quis que o livro também pudesse ser lido assim.

 

Impôs-lhe alguma regra para o deixar escrever um romance sobre a sua vida?

Não, nenhuma. Quando lhe fiz a proposta do romance, garanti que iria respeitar a sua visão. Mas também lhe deixei muito claro que as pessoas são constituídas por múltiplas facetas. Portanto, é claro que este livro também tem momentos de insucesso, coisas que correram melhor e outras que representam fracassos e dissabores. Isso faz parte da vida de toda a gente. O senhor Nabeiro foi acompanhando a progressão do livro e ia apontando certas imprecisões. Eram detalhes que eu tinha entendido mal ou questões que faltavam.

 

O comendador já leu o livro? O que lhe disse?

Sim, já leu. O senhor Nabeiro é um pouco comedido. E, ao mesmo tempo, é modesto nas suas avaliações, na medida em que não se sente à-vontade para fazer algumas considerações literárias. Está sempre a dizer que não tem essa capacidade. Disse-me mais ou menos isto: “O que eu possa dizer já você sabe, e o que eu não sei também não lhe posso dizer.” (risos) O que para mim é importante é que ele se reconheça naquelas memórias. Não está ali exatamente o que viveu, mas o livro não desvirtua a sua vida.

 

Depois de lerem o sue romance, os leitores vão conhecer melhor Rui Nabeiro?

Espero que sim. Acho que a literatura humaniza porque é o mesmo do domínio humano. É feita com palavras, com conceitos que partilhamos, com ideias que são de certa forma identificadas por um ser humano e que depois são também interpretadas por outros seres humanos. A literatura, de certa forma, tenta aprofundar. É inimiga do estereótipo, da generalização. E, neste caso, é disso que se trata. O livro tenta interpretar aquele homem. Perceber, por um lado, o que é que na sua história o levou a seguir o caminho que seguiu, mas também qual é a sua natureza, quais são as suas visões do mundo. Estamos a falar de um homem do mundo empresarial, dos negócios, e nesse mundo normalmente o foco é outro. Aqui estamos a falar de outra dimensão, do outro lado. Muitas das histórias que estão no livro são desconhecidas, até mesmo para as pessoas de Campo Maior. Por isso, espero que seja interessante para os leitores.

 

O lançamento do livro teve de ser adiado por causa das livrarias estarem fechadas?

Não. Eu publiquei dois livros durante a pandemia. primeiro publiquei um livro de poesia- “Regresso a Casa”- e agora este. Queria que o romance estivesse publicado na data em que o senhor Nabeiro faz 90 anos. Tenho muita dificuldade em compreender porque é que as livrarias estiveram fechadas. Infelizmente, não são espaços onde haja grandes aglomerações. E sei que o mundo editorial, como muitas outras áreas, tem atravessado problemas graves. No ano passado, conseguiu-se fazer a Feira do Livro em Lisboa e no Porto, e isso acabou por ajudar bastante as editoras. Mas as livrarias, que são outro lado deste mundo, tiveram bastantes quebras e dificuldades. Sinto que é uma área que tem viabilidade económica e avalio-a como muito importante a níveis que muitas vezes não são considerados. Nós, enquanto povo, também precisamos de trabalhar a nossa consciência coletiva. Precisamos de trabalhar a nossa capacidade de análise, de debate. E, mesmo que os livros não sejam tão discutidos como o futebol, as ideias circulam. Vão circulando. Os leitores contaminam os outros, os não leitores. Acredito que a leitura tem um papel estruturante na sociedade e, nessa medida, não concordei com essa decisão. Não acredito que as livrarias tivessem sido determinantes no agravamento da situação sanitária.

 

Como foi o período do confinamento para si? Foi bom para se concentrar a escrever ou impediu a escrita de fluir?

Houve um momento inicial que foi um pouco difícil. A casa ficou cheia de gente, porque os miúdos deixaram de ir para a escola. Eu tinha estado num encontro literário com o escritor Luis Sepúlveda que tinha covid-19. Foi o último debate em que participou em vida. Foi muito complicado. Tive de lutar contra uma certa claustrofobia. Ainda assim, a partir de certa altura, o trabalho foi uma maneira de me evadir e de lidar com tudo isto. Ajudou-me bastante a lidar com tudo isto. Ajudou-me bastante a lidar com a própria situação. Acabei por produzir bastante mais do que se estivesse na minha rotina habitual, em que tinha de conciliar tudo isto com outras atividades que ficaram comprometidas, nomeadamente viagens, algo que fazia muito. Escrevi o livro de poesia entre março e junho. Quando terminei, já estava mais ambientado com esta vida de confinamento e avançou o romance.

 

Tem falado com outros escritores? Qual é o estado de espírito no meio?

Há pessoas mais animadas, outras menos. Umas refugiam-se no trabalho, outras não conseguem trabalhar. Tenho a sensação de que o balanço geral não é positivo. A maioria das pessoas não consegue produzir como se tivesse liberdade, porque esses estímulos também são necessários. tudo isto que estamos a viver nos constrange. Fazemos aquele passeio higiénico que não chega para espairecer absolutamente. A melhor expressão que encontro para definir é uma certa claustrofobia. E depois há muitos projetos que estão na gaveta, à espera. Isso é um pouco desesperante. Quando a pessoa publica, liberta-se e fica disponível para trabalhar outros projetos. Quando não existe essa libertação, há alguma coisa por cumprir.

 

De acordo com a APEL, os portugueses compram em média um livro e meio por ano. Isto não é conjuntural, é estrutural. Como é que se muda o cenário?

Tenho muita dificuldade em responder. Em certos aspetos, sou até um pouco otimista porque comparo esses números com os de há 20, 30, 40 anos, e vejo que é uma diferença astronómica. Quando nasci, nos anos 1970, compravam-se muitos menos livros do que agora. Havia muito mais analfabetismo. Sinto que, apesar de tudo, fizemos um longo caminho ao nível da educação, que é um passo importante para que as pessoas se interessem pela leitura. Mas também vejo que hoje em dia existe muita competição com a leitura, nomeadamente os computadores, os telefones, as redes sociais..., são muitas coisas a competirem pela nossa atenção e, às vezes, de uma forma “desleal”. Como eu dizia, acredito na leitura como um valor. Acredito que os leitores, apesar de não serem maioritários, têm uma importância enorme no estruturamento ao nível da consciência e ao nível intelectual de toda a sociedade. Temperam o clima. Mas sinto que o trabalho de modificar esses números passa pelo acesso mais facilitado aos livros. Não me refiro a haver mais pontos de venda, mas sim a um reconhecimento, a nível institucional, da importância dos livros e de existir alguma facilidade concedida a esse setor. Eu dizia que sou otimista porque não antevejo o fim da leitura. Por mais Netflix ou Facebook que haja, não antevejo o fim dos livros. Todas essas formas de consumir informação são diferentes da leitura e oferecem um produto diferente. Não oferecem aquela espécie de meditação que também fazemos quando lemos um romance, e que pode não ser imediata, mas que a níveis profundos, nos faz bem.

 

É possível viver em Portugal só da escrita de livros?

pode-se viver exclusivamente da escrita, mas tem de se vender muitos livros. No meu caso, vivo também de múltiplas atividades relacionadas com a escrita. Desde que a pandemia começou, estou a fazer oficinas de escritas de poesia online, numa iniciativa com o município de Oeiras. Depois, tenho também as colaborações. Escrevo uma crónica num jornal em Macau e tenho um pequeno programa de rádio na Antena 1. Também contribui para o meu orçamento a participação em certas atividades, como colóquios, conferências, participações em universidades. Neste confinamento, por exemplo, escrevi as letras de um disco do músico açoriano Luís Bettencourt. Mas, claro, recebo sempre os meus direitos de autor dos livros e ainda tenho também os direitos de autor das edições internacionais, que acabam por ser uma boa ajuda.

 

Ainda não sabemos se este ano a Feira do Livro se irá realizar. Esse tipo de eventos em que há um contacto direto com o público é importante para os escritores?

Para mim, é. Não esqueço como é para mim, enquanto leitor, estar com autores que admiro. Tenho muitos livros autografados. Ganhei sempre alguma coisa quando encontrei autores que admirava, mesmo que possa não ter tido a melhor experiência nesses encontros.

 

Já aconteceu ficar desiludido quando conheceu pessoalmente um escritor que admirava?

Aconteceu. Mas tento ultrapassar isso. Sinto que pode ter sido do momento. Às vezes é difícil avaliarmos as pessoas em cinco ou dez minutos. Mas nunca deixei de ler alguém por ter tido uma experiência menos positiva. Acho que isso depende muito das expectativas de cada um. Se calhar às vezes temos expectativas irrealistas em relação aos outros. Mas eu, enquanto escritor, quero conhecer os leitores. Gosto de falar com eles, porque depois passo muito tempo sozinho a escrever. Muitas vezes são as memórias dessas pessoas que encontro nos mais diversos lugares que me alimentam. recentemente fiz uma publicação numa rede social em que pedi às pessoas para me dizerem onde é que nos tínhamos encontrado ao vivo. Foi incrível. Houve pessoas que eu tinha encontrado em Caracas, Macau, África do Sul, Portimão, Chaves, Porto... Isso também é um património. Não tenho capacidade de conhecer todas as pessoas que leem os meus livros. Mas acho que não me faz mal nenhum conhecer essas pessoas e ter uma ideia sobre elas. Não escrevo necessariamente para lhes agradar. A questão é que quando se escreve temos de considerar a existência do outro. Pelo menos, na escrita que me interessa fazer. Se eu não considerar a existência do outro, não faz sentido sequer escrever e muito menos publicar. Publicar é entregar ao outro. E a um outro que pode ser qualquer pessoa. Não sei quem é esse outro. Pode ser o meu vizinho ou podem ser netos meus que vão nascer e que já não vou conhecer.

 

Filipa Lino

Bruno Colaço

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Sobre Almoço de Domingo, in Jornal de Letras, março 2021

10.03.21

 

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Novo romance... em Campo Maior

 

Dois anos depois de Autobiografia, em que fez de José Saramago uma personagem, e apenas um ano depois do livro de poesia Regresso a Casa, o romancista está de regresso com o Almoço de Domingo. O livro, que chega às livrarias dia 25, com a chancela da Quertzal, tem como base a história de vida de Rui Nabeiro, conhecido empresário de Campo Maior, fundados dos Cafés Delta. O JL ouve o autor sobre o livro, de que se antecipa um excerto.

 

José Luís Peixoto, 46 anos, natural de Galveias, no concelho de Estremoz, colaborador do JL, é um dos maios traduzidos e reconhecidos escritores portugueses da sua geração, dividindo-se entre ficção, poesia e literatura de viagens. Da sua obra destacam-se, entre outros, Nenhum Olhar (Prémio José Saramago 2001), A Criança em Ruínas (2001), Uma Casa na Escuridão (2002), Cemitério de Pianos (2006), Dentro do Segredo (2012) e Galveias (2014, Prémio Oceanos).

 

JL: Que romance é este?

José Luís Peixoto: Nestas páginas, acompanhamos três dias da vida de um homem que está prestes a fazer 90 anos. Durante esse período, visitamos as suas memórias, a forma como construiu a sua vida. Este romance permitiu-me voltar a alguns temas que já tratei noutros livros e, de certa forma, levá-los para mais longe. É esse o caso da família, enquanto tema, ou do Alentejo, enquanto cultura e cenário. Este é, também, um romance que volta a propor contrastes entre ficção e biografia, como aconteceu nos meus romances Em Teu Ventre e Autobiografia. Essa é uma dimensão que tenho tentado trabalhar sobre várias vertentes, não apenas nestes exemplos, mas em todos os livros que escrevi até hoje.

 

Que diferença tem dos seus livros?

A nível prático, talvez a grande diferença seja o facto de ter partido da intenção de escrever um romance colado às memórias do senhor Rui Nabeiro, ilustre alentejano que, em 2019, me falou da vontade de ter a sua biografia escrita. Pessoalmente, não me era muito interessante escrever um texto biográfico convencional E, após algum tempo, fui eu que lhe contrapropus a ideia de escrever um romance. Até porque, depois de trabalhar em projetos anteriores figuras como o José Saramago, Francisco Lázaro ou a Irmã Lúcia, achei extremamente desafiante a oportunidade de desenvolver um romance com a participação direta do próprio protagonista. Pareceu-me que, a esse nível, a ambição desta proposta era ainda mais profunda.

Ao longo de cerca de um ano e meio, foi um verdadeiro privilégio mergulhar nas memórias e nas ideias deste homem, que nasceu em 1931, que tem feito um caminho ímpar, marcante para a região e para o país. Por outro lado, considerando a dimensão pessoal e íntima de muito do que está descrito no romance, foi um trabalho bastante sensível. Por outro lado ainda, este romance permitiu-me aprofundar certas especificidades que foram muito interessantes, como a realidade da raia, por exemplo.

 

A pandemia afetou a escrita deste romance?

Sem dúvida. Creio que este tempo, com toda a sua crueza e violência, fez com que o romance se estruturasse de modo inequívoco à volta da ideia de balanço da vida. Uma reflexão que, creio, tem passado pela cabeça de muita gente neste período. Também é certo que, com uma personagem de 90 anos como protagonista, e estando nós a atravessar este momento tão penalizador para os mais velhos, a reflexão que o romance propõe acerca da idade e da velhice não podia ignorar estas circunstâncias, ainda que indiretamente, uma vez que optei por não incluir referências à pandemia.

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Nobelisti José Saramagon hahmo muuttuu kuvitteelliseksi José Luis Peixoton romaanissa

01.03.21

IN HELSINGIN SANOMAT, Tommi Melender

 

Kriittinen sielu voisi kutsua Peixotoa perinnepostmodernistiksi.

 

Romaani

José Luis Peixoto: Saramago & José (Autobiografia). Suom. Tarja Härkönen. Aviador. 275 s.

 

KUN Jukka Viikilän Taivaallinen vastaanotto sai Finlandia-palkinnon, verkossa puhkesi kiivas keskustelu. Jotkut moittivat kirjaa liian vaikeaksi tai kokeelliseksi, toiset kyseenalaistivat, onko se romaani ensinkään.

”Kyllä romaanissa pitää olla tarina”, kuuluu kirjallisuuspopulismin tunnuslause.

Portugalilaisen José Luis Peixoton romaanissa Saramago & José on selvä tarina: José-niminen nuori prosaisti ryhtyy kirjoittamaan elämäkertaa maineikkaasta kirjailijasta José Saramagosta.

Veikkaan kuitenkin, että jos Saramagon ja Josén kaltainen romaani palkittaisiin Finlandia-palkinnolla, se herättäisi samanlaisia vastalauseita kuin Taivaallinen vastaanotto. Viikilän tavoin Peixoto tunkee tarinan tehosekoittimeen ja jättää kannen auki niin että ainekset roiskuvat pitkin seiniä.

 

TÄSTÄ PÄÄSEMME asian ytimeen: kirjallisuuspopulismin tunnuslauseen pitäisi tarkkaan ottaen kuulua: ”Kyllä romaanissa pitää olla perinteisesti kerrottu tarina.”

Tarina itsessään on pelkkä kirjan tapahtumasisältö: päähenkilö rakastuu tai kuolee, valaistuu tai uhrautuu, kulkee harhaan tai löytää kotiin. Juoni levittää tarinan romaanin sivuille, tyyli ja kerronta kuljettavat sen lukijan tajuntaan.

Klassisesta realismista lähtevä kertomakirjallisuuden valtavirta korostaa juonta, kun taas modernismin avaamat sivuvirrat keskittyvät pikemminkin kielellisten maailmojen luomiseen.

 

PEIXOTON ROMAANISSA on juonen peruselementit eli alku, keskikohta ja loppu – mutta eivät välttämättä tässä järjestyksessä. Kirja haluaa pikemminkin yllättää lukijansa kuin vastata perusrealismin luomiin odotuksiin. Juonilähtöinen lukutapa johtaa pettymykseen.

Saramagon & Josén alkukielinen nimi on Autobiografia eli omaelämäkerta. Pidän Tarja Härkösen suomennoksen nimeä osuvampana, koska romaanissa on kyse yhtä paljon Saramagosta kuin Josésta.

 

Alkukielinen nimi leikittelee ajatuksella, että romaanin kirjoittaja olisi Peixoto itse. Se on kuitenkin liian yksioikoinen ja suoraviivainen tulkinta. Romaani rakentaa peilileikin, jossa tekijä heijastuu henkilöhahmoihin ja henkilöhahmot toisiinsa.

 

ROMAANIN LOPPUPUOLELLA Saramago väittää Josélle, että he ovat sama henkilö, mutta varoittaa heti perään luottamasta peileihin, koska peilit vääristävät.

Mitä ajatella tällaisista väitteistä?

Ehkä vastaus piilee oikean Saramagon esittämässä ajatuksessa, että kaikki on omaelämäkertaa: ”Me kerromme joka iikka elämästämme kaikessa, mitä teemme ja sanomme.”

 

Saramagon ja Josén ytimessä on kysymys siitä, kuka kertoo, mitä kertoo ja miten kertoo. Kirja alkaa toteamuksella: ”Saramago kirjoitti romaanin viimeisen lauseen” ja päättyy toteamukseen: ”José kirjoitti romaanin ensimmäisen lauseen.”

PEIXOTO LATAA kirjan täyteen metatasoja, jotka virtaavat toistensa lävitse. Hän tekee fiktiota fiktion kirjoittamisesta – ja lopulta myös fiktion lukemisesta, sillä ääneen pääsee myös lukija, joka keskustelee romaanista isänsä kanssa.

Lukijan isä on vanhan kunnon romaanin ystävä, sillä häntä närkästyttää kirjallinen nokkelointi eli ”huonosti perusteltu paljastus siitä että tarinan kaksi päähenkilöä olivat sama ihminen, hän ei keksinyt uskottavaa selitystä moiselle julkeudelle.”

 

Peixoton kirjallisissa tempuissa ei ole varsinaisesti mitään uutta ja mullistavaa, niitä ovat harrastaneet kerronnan konventioita rikkovat prosaistit vuosikymmenten ajan. Kriittinen sielu voisi kutsua Peixotoa perinnepostmodernistiksi.

 

Kirjailija José Saramagon arkku oli esillä ruumiinvalvojaisissa Tíasin kaupungin kirjastossa Lanzarotella kesäkuussa 2010. Sarmango oli asunut saarella 1990-luvun alusta lähtien. 

NOBEL-PALKINNON vuonna 1998 saanut José Saramago (1922–2010) oli Portugalissa elämää suurempi hahmo, jonka vaikutus säteili kirjallisuuden lisäksi myös laajemmin kulttuuriin ja politiikkaan.

Peixotokin tulee tavallaan Saramagon viitan alta, sillä hänen kirjailijanuransa lähti 2000-luvun alussa nousuun Saramago-palkinnon siivittämänä.

Verevyyttä romaanille antaa Saramagon elämän ja tuotannon kekseliäs käsittely. Henkilöhahmot, tapahtumat ja asetelmat ovat väärällään viittauksia kirjailijamestarin tuotantoon.

 

Olen lukenut useimmat Saramagolta suomennetut romaanit, mutta olen varma, etten tunnistanut läheskään kaikkia tekstuaalisia yhteyksiä.

 

Portugalilaisille lukijoille Peixoton romaani aukeaa eri tavalla kuin suomalaisille, mutta uskoisin, että sen lukeminen on antoisaa pintapuolisellakin Saramago-tuntemuksella.

 

Ei haittaa, vaikka ei tunnistaisi läheskään kaikkia viittauksia, sillä monet niistä voi aistia tekstistä etäisinä, arvoituksellisina kaikuina.

 

PEIXOTO ONNISTUU luomaan Saramagosta moniulotteisen ja ristiriitaisen hahmon. Kirjailijamestarin elämää kuvaavat jaksot lienevät suurelta osin sepitettä.

”Mahtaako todellista Saramagoa ollakaan?” kysyy romaani, mikä tarkoittaa kääntäen, että mahdollisia Saramagoja on monta.

Fiktion voima ja viehätys piilee sen kyvyssä lähestyä tällaisia kysymyksiä. Vastauksia sillä ei tietenkään ole antaa, mutta Peixoton romaani todistaa kysymysleikin kiehtovuuden.

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Kirjoja ja kikkailua

01.03.21

in SUOMEN KUVALEHTI

 

José Luís Peixoto avaa eriskummallisia ikkunoita todellisuuteen, kuten hyvän romaanikirjailijan kuuluukin, Silvia Hosseini kirjoittaa.

 

Kirjallisuuden ja elämän välinen raja liudentuu portugalilaiskirjailijan romaanissa. José Luís Peixoton teos kertoo José Luís Peixoto -nimisestä kirjailijasta, joka kirjoittaa elämäkertaa kirjailija José Saramagosta – joka kirjoittaa kirjaa Peixoto-nimisestä kirjailijasta.

Postmodernistinen metafiktiolla ja kerronnan tasoilla kikkailu näyttävät tekevän paluuta kirjallisuuteen. Suomessa tyylilajia edustavat esimerkiksi Jukka Viikilä ja Miki Liukkonen. On kiinni toteutuksesta ja paljolti myös lukijasta, toivottaako tervetulleeksi tämän tuulahduksen 1980-luvulta.

Portugalilaisromaanissa elämä jäljittelee taidetta monella tasolla. Kun Saramagon vaimo Pilar astuu työhuoneeseen, Saramago luulee vain lukevansa Pilarin astumisesta huoneeseen. Henkilöhahmoja yhdistää kiinnostus Saramagon kirjoihin, ja heidän elämänsä myötäilee niiden tapahtumia. Lukija, joka ei tunne Saramagon tuotantoa ja asemaa portugalilaisessa kulttuurissa, voi pudota kärryiltä.

Saramago on romaanissa yhtäältä kunnioitusta herättävä, lähestulkoon myyttinen hahmo, toisaalta melko tavallinen, kurinalaisesti työskentelevä mies. Josén elämää ja kirjoittamista vaikeuttavat uhkapelivelat ja alkoholismi: ”Monista ratkaisuista José piti parhaimpana viinaa.”

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Sobre Regresso a Casa, in Jornal Rascunho, Brasil

28.02.21

 

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Por Rogério Pereira

 

Após intervalo de 12 anos, o português José Luís Peixoto retorna à poesia em Regresso a Casa. Lançado em 2020, o livro foi escrito ­­— depois de abandonado um projeto de romance — durante a pandemia que desafia o mundo: “A poesia acabou por ser a minha maneira de lidar, através da literatura, com o que estava a viver”, diz o autor nesta entrevista concedida por e-mail.

 

Imergir na fabulação, aliás, vem sendo a forma com a qual Peixoto lida com diferentes questões há muitos anos — pelo menos desde seu primeiro livro, Morreste-me (2000), no qual constrói um comovente relato sobre a morte de seu pai. “Trata-se de algo que, por vários motivos, foi muito traumático na minha vida e, ao mesmo tempo, trata-se de uma reflexão extraordinariamente abrangente “, explica Peixoto, que segue visitando o assunto da paternidade — e tudo o que vem a reboque — ao longo de sua trajetória.

 

Hoje, aos 46 anos, o autor parece cultivar a mesma paixão que tinha pelas letras quando, ainda adolescente, descobriu a ficção e começou a praticar o exercício diário da literatura — um modo de encarar a vida que, o próprio reconhece, tem muito de positivo e negativo. Mas resiste, tão firme quento possível, em uma sociedade cada vez mais frenética e ansiosa. “temos um longo trabalho pela frente, mas não imagino um mundo em que o livro desapareça”, diz.

 

 

Na abertura (espécie de “advertência” ao leitor) de Regresso a Casa há uma fé – sem ser religiosa – na poesia e em suas possibilidades: “um livro de poesia,/como um regresso a casa”. E mais adiante: “O poema é como uma casa,/ e a casa protege-nos”. De que maneira a literatura é capaz de nos proteger num mundo tão afeito a violências e desigualdades, sejam sociais, culturais, econômicas?

Todas as experiências que a literatura pode facultar começam por ser intelectuais. Creio que, mais tarde, podem estender-se a outras dimensões, mas isso já dependerá da disponibilidade e da capacidade de cada um. Essa ligeireza de movimentar-se no interior da literatura, de transformá-la em algo que traga esse tipo de vantagens, resulta não apenas das capacidades racionais, da capacidade de lidar com raciocínio lógico, de estabelecer relações, etc., mas advém também do modo como cada pessoa convive consigo própria e com os outros, da generosidade e empatia que consegue ter para consigo própria e para com o mundo. Nesse sentido, existem aspetos da literatura que, de uma maneira implícita, trazem benefícios indiscutíveis: o desenvolvimento da linguagem é estruturante e fortalece-nos a vários níveis, o pensamento abstrato é imprescindível para tomarmos alguma consciência da nossa condição e do universo que nos rodeia. Ainda assim, há círculos mais profundos daquilo que a literatura nos pode proporcionar que exigem um esforço e uma disponibilidade de outra ordem. É por isso que nem todos os grandes leitores são naturalmente empáticos ou, sequer, gentis. A literatura não nos transforma automaticamente em pessoas melhores. A literatura é um exercício e, por isso, depende também das características de quem o realiza. Sob o ponto de vista social, a escrita e a leitura, que são as formas diretas de exercício da literatura, podem ser ferramentas poderosas, mas primeiramente têm de passar a etapa individual. Se as palavras fizerem sentido para o indivíduo, hão de transformar-se em atos e, assim, tocar a sociedade.

 

 

No poema Quarentena, você escreve “transformo-me devagar noutra pessoa”. Qual foi o maior impacto da reclusão nos últimos meses em sua vida pessoal e como escritor?

Confesso que fazia parte do grupo de pessoas que, no início de 2020, não imaginava que a pandemia fosse atingir as proporções que testemunhámos ao longo do ano. Em fevereiro, estava a trabalhar num romance e, quando se iniciou a quarentena coletiva, não consegui continuar esse projeto. Por um lado, a casa ficou cheia, os filhos deixaram de ir à escola; por outro lado, comecei a sentir uma certa forma de claustrofobia. Apesar de viajar bastante, ou talvez por isso mesmo, aprecio muito estar em casa. No entanto, nesses primeiros meses da quarentena, ficar em casa obrigatoriamente pareceu-se muito com prisão domiciliária. Ao mesmo tempo, vivíamos num mundo monotemático, apenas se falava da pandemia na imprensa e em toda a parte. Foi justamente nesse período que escrevi esse poema a que chamei Quarentena. A poesia acabou por ser a minha maneira de lidar, através da literatura, lidar com o que estava a viver. Trata-se de um género que tem uma relação muito próxima com a metáfora e, de certo modo, o que estávamos a passar nesse período era como uma grande parábola, cheia de significados. Foi desse modo que, ao fim do dia, quando encontrava momentos de maior sossego, fui avançando com a escrita de poemas e, assim, muito rapidamente, o livro de poesia Regresso a Casa tomou forma. Essa escrita ajudou-me bastante a lidar com esse período e, também, deixou-me muito realizado por constituir um regresso à publicação de poesia, pois o meu último livro desse género foi publicado já em 2008. Não quero deixar passar tanto tempo até escrever o próximo.

 

É muito comum lermos na imprensa e nas redes sociais que sairemos “diferentes” deste momento histórico. Você acredita que esta crise mundial possa trazer benefícios ao convívio humano?

Há dias em que tenho a certeza de que sim e, logo depois, há dias em que me convenço de que não. Parece-me que, apesar da quantidade de meios que temos para registar e conservar, vivemos um tempo em que a memória não é valorizada. Estima-se muito mais a novidade. Essa obsessão tem-nos levado a vertigens insensatas de consumo, a um respirar sôfrego. Considerando essa tendência, creio que uma memória traumática como a que teremos desta pandemia corre o risco de ser excluída ainda com mais facilidade. Nesse caso, se não houver uma reflexão, parece-me difícil que cheguemos a aprender algo de valor. Ao mesmo tempo, o individualismo reinante e a polarização cega não parecem dar boas indicações. Hoje, como vê, não estou muito confiante nessa evolução. Volte a perguntar amanhã, talvez me encontre mais otimista.

 

Você concorda que a literatura vem perdendo espaço na sociedade, levando-se em conta os índices de leitura, o avanço feroz das mídias digitais, a inexistência de políticas públicas de leitura (no caso do Brasil)?

Na sequência do que dizia, hoje, a literatura existe em confronto com aquelas que são as tendências deste momento. O texto literário aspira a uma consciência que apenas é possível com tempo. Atualmente, de modo paradoxal, não há tempo. Ou seja, ninguém parece ter tempo. Se mantemos contato com esta sociedade, se vivemos nela, ao seu ritmo, a voracidade engole-nos. A ambição insaciável não é humana, a notícia constante de tudo não é humana. A literatura é o contrário dessa ansiedade. A literatura é reflexão, meditação, não é o estímulo constante da dopamina. Ainda assim, mesmo que não seja tão consumida como o youtube ou o netflix, a literatura mantém o seu papel. Em termos qualitativos, não é ultrapassada por nenhuma outra forma de expressão naquelas que são as suas caraterísticas fundamentais, os seus verdadeiros propósitos. Por isso, com mais ou menos público, a literatura continuará a ser estruturante na formação de uma consciência coletiva. Tenho muita pena por haver tantos que sejam colocados no lado de fora das possibilidades que a literatura apresenta, essa é uma nuance de múltiplas exclusões, mas não temo a extinção desta forma. O mundo precisa dela, mesmo que os poderosos raramente o reconheçam.

 

Neste cenário, de que maneira a literatura pode impactar na esfera pública? Até que ponto os escritores podem interferir nas questões sociopolíticas de seu tempo?

Ter uma voz é uma possibilidade política muito poderosa. É extraordinariamente difícil avaliar o real impacto de uma voz literária. Essa contabilização não se faz certamente pelo número das tiragens. Existe aquele momento a que todos os autores aspiram: a leitura propriamente dita, o vínculo autor/leitor. Mas existem também todas as ideias que, como leitores, nunca desenvolveríamos se não tivéssemos lido, existe o eco que difundimos a partir daquilo que lemos. Existe também a dimensão social do escritor, as oportunidades que lhe são oferecidas, como é o caso desta entrevista, como é o caso das apresentações perante um público. Penso que o ato mais político que o escritor pode desenvolver é pensar, levar até às últimas consequências a avaliação daquilo que identifica no mundo. Todas as formas que encontrar de exprimir as conclusões que retirar desse exercício terão impacto na esfera pública. Na melhor das hipóteses, mostrará ao mundo um reflexo que trará conhecimento e compreensão. Um escritor que, na soma das suas obras completas, tenha conseguido acrescentar um grão de consciência ao mundo, terá feito o seu trabalho com distinção.  

 

No clássico romance distópico Fahrenheit 451, Ray Bradbury imaginou um mundo sem livros, onde era necessário queimá-los e suprimir qualquer possibilidade de pensamento crítico. Como você imagina que seria um mundo sem livros?

Na história da humanidade, já existiram momentos sem livros. Quando era preciso copiar os livros um a um, quando não existia papel, esse objeto era propriedade exclusiva de reis e da aristocracia mais elevada. Hoje, há momentos em que avaliamos com ligeireza esse tempo, as trevas que o constituíram. A popularização do livro é uma ferramenta poderosa. Acredito que, como sociedade, não estamos disponíveis para retroceder nessa conquista. Infelizmente, continuam a existir contextos em que o livro não existe. Há cerca de 16 anos, em São Tomé e Príncipe, na costa ocidental africana, numa escola, depois de falar do meu trabalho, no momento das perguntas, um aluno perguntou-me o que é um livro. Temos um longo trabalho pela frente, mas não imagino um mundo em que o livro desapareça. Mesmo em Fahrenheit 451, os livros não desaparecem completamente, existem aqueles que se dedicam a memorizá-los. Penso que os livros apenas deixarão de existir se a humanidade deixar de existir.

 

As fronteiras entre o literário e o autobiográfico em sua obra se aproximam com bastante frequência. Você se preocupa com o equilíbrio entre estas duas “forças”? Ou esta questão não atravessa as suas preocupações ao escrever?

Esse é um dos temas centrais do meu projeto literário. Não apenas a relação entre o espaço ficcional e o autobiográfico, mas também o biográfico e o documental. Na verdade, esse é uma das dimensões que mais me tenho tentado desenvolver nos últimos tempos. Ou seja, sim, faz parte do meu foco. Por um lado, fascina-me a fronteira inefável entre essas áreas; por outro lado, tratam-se de realidades que apenas se distinguem ao nível da crença do leitor e acho muito curioso o papel da crença do leitor na forma como interpreta um texto. O caráter autobiográfico dos textos tem muita importância para mim e para os que me são próximos. A forma como os outros interpretam essa informação acaba por ter reflexos que tocam a minha existência. No entanto, para quem lê e não tem nenhuma relação com essa realidade, trata-se de uma informação extratextual, que toca a leitura de forma determinante. De um modo mais amplo, trata-se da relação entre o ficcional e o histórico, um tema que é muito relevante quando é observado do lado da literatura e, também, do lado da história. No fundo, são questões elementares da memória e da existência.

 

Você se dedica à narrativa (romances e crônicas) e à poesia. Em qual dos gêneros se sente mais confortável no momento de escrever? São processos criativos muito distintos?

A experiência de escrita é diferente em cada texto, não apenas em cada género. Não escrevo todos os romances da mesma forma, não tenho a mesma relação com todos eles. O mesmo acontece com a poesia e com as crónicas. Às vezes, a relação com aquilo que se escreve diverge em função do tema, outras vezes muda por ter acontecido alguma coisa naquele dia, ou na véspera daquele dia. Já me senti confortável e desconfortável a escrever em qualquer um desses géneros. E creio que continuará a ser assim. É claro que a gestão de um romance se distingue daquilo que é escrever uma crónica. Ainda assim, há crónicas no interior de romances, há poemas no interior de romances e, às vezes, há crónicas e poemas que, implicitamente, pertencem a uma narrativa maior, invisível para os outros.

 

Você concorda com o já lugar-comum de que a poesia é um gênero literário superior aos demais?

Não. O maior inimigo da poesia, e de toda a literatura, é o lugar-comum. No dia em que a poesia identificar a imposição de ser um género literário superior, ela própria encontrará forma de se renovar e de contrariar esse lugar-comum. Parece-me mesmo que essa insubmissão já aconteceu sob várias formas. O lugar-comum é uma simplificação, é uma generalização que distorce necessariamente, que aprisiona. E a poesia dá-se muito mal com esse tipo de prisões. A poesia é a liberdade absoluta.

 

Seu livro de estreia, Morreste-me, é um relato comovente sobre a morte de seu pai. Ele parece ter sido um figura central na sua vida e, de alguma maneira, perpassa boa parte da sua obra. Qual é a importância da ausência/presença de seu pai na construção da sua obra?

Desde que esse livro foi publicado pela primeira vez, em 2000, tive muita oportunidade de refletir sobre esse assunto. Aquilo que até a mim me surpreende é o facto de ainda hoje, em todos os livros que escrevi, ter sempre trabalhado esse tema. Ao longo do tempo, analisei-o a partir de múltiplas perspetivas. No meu último romance, por exemplo, questionei a paternidade a partir do tema da influência literária e, também, referi o assunto do pai ausente. No meu último livro de poesia, o meu pai é referido diretamente várias vezes. Creio que a razão para regressar sempre a esse tema tem a ver com o facto de não o ter resolvido dentro de mim, duvido que algum dia se resolva completamente. Trata-se de algo que, por vários motivos, foi muito traumático na minha vida e, ao mesmo tempo, trata-se de uma reflexão extraordinariamente abrangente. Permite pensar as idades, o ponto que ocupamos na vida, as gerações, aquilo que nos antecedeu e que nos sucederá, entre muitas outras possibilidades. Não é por acaso que a filiação se encontra no centro de tantas religiões, é um assunto de grande profundidade existencial, é a vida, a morte e o amor.

 

Podemos dizer que, aos 46 anos, você está na metade de sua vida. Que balanço você faz da sua trajetória como escritor desde Morreste-me, sua estreia aos 26 anos, até este Regresso a Casa?

Sim, creio que se chegar a viver 92 anos, será uma vida com um bom tamanho. Tenho muita tendência para estar constantemente a tomar em consideração o que já escrevi. Gosto de pensar a partir desse caminho, estendendo-o numa ou noutra direção. Ainda assim, confesso que, neste momento, tenho mais vontade de olhar para o futuro. Talvez seja assim porque me entusiasma muito os trabalhos que tenho em mãos, projetos que se relacionam com essa linha biografia/ficção, de que já falámos. Olhando para o passado, parece-me que tenho vocação para me dedicar a alguns temas específicos: a origem, a família, Portugal, o próximo e o remoto, o pessoal e o histórico, entre outros. Mas quero acreditar que posso expandir essa lista de formas surpreendentes, inesperadas também para mim.

 

É muito comum ouvir escritores dizendo que escrevem livros que gostariam de ler. Esta afirmação também vale para você?

Sim, é verdade. Até porque escrever um livro é uma forma muito intensa de lê-lo. Não consigo escrever todos os livros que imagino e, por isso, tento fazer uma escolha ponderada dos projetos a que me dedico. São muitos os critérios que considero para tomar essa decisão, um deles é o prazer que me dá visitar o “espaço” e a “visão” que tenho de determinada ideia. Isso não significa que todos os momentos da escrita sejam feitos de prazer. No entanto, até à última versão, tento encontrar satisfação em todos os momentos do texto. E consigo. Nunca entreguei para publicação um livro com o qual não estivesse completamente satisfeito. É claro que a relação com os meus próprios livros vai mudando com o tempo. Ainda assim, gosto dos meus livros. Tenho muita facilidade nesta afirmação. Não faria sentido para mim publicá-los e autorizar que fossem reimpressos se pensasse de outra forma.

 

Que tipos de livros mais o encantam? O que você busca na literatura como leitor?

Os meus interesses são diversos, a minha biblioteca é muito eclética a todos os níveis. Quanto à leitura, creio que sou muito otimista e deixo-me cativar com muita facilidade. Dessa forma, acabo por acumular muitos livros que, depois, não consigo ler. Mantenho sempre a esperança de voltar a eles, tenho muita dificuldade de me desfazer de livros, mas tenho livros à espera de serem lidos há muitos e muitos anos. Tenho uma atração pelo bizarro, por tudo o que possa ser um pouco extremo, tanto sob o ponto de vista da proposta estética, como até no que diz respeito ao tema. Esse gosto, com frequência, faz-me chegar a algumas leituras bastante inusitadas. Creio que, se tivesse de referir uma característica marcante dos livros que me atraem, escolheria a originalidade. Ainda assim, não tenho qualquer pudor em ler também grandes best sellers, livros infantis, ensaios sobre temas que não têm qualquer relação com a minha realidade, etc.

 

A infância tem um grande peso na sua literatura, em livros como Morreste-me, Galveias, Livro e Nenhum Olhar. O catalão Enrique Vila-Matas tem uma frase emblemática: “A infância é uma batalha perdida”. Você concorda que estamos sempre “batalhando” com nossa infância? Como se dá a sua batalha particular?

Na vida, a infância tem uma importância bastante marcante. Há o vínculo profundo que deixa essa primeira interpretação do mundo, o choque de tomarmos conhecimento de algo que, durante um período, acreditamos profundamente ser a verdade. Depois, há a vida inteira para recordarmos esse tempo, para o distorcermos. Pela minha parte, sempre escolhi olhar essas lembranças de frente. Observo-as com o mesmo fascínio e com a mesma dúvida com que observo o futuro. Não tenho certezas fechadas em relação ao que vivi, tanto no que diz respeito à infância, como no que toca a outras idades. Ao longo do tempo, tenho-me relacionado de múltiplas maneiras com esse passado. Esse movimento parece-me natural porque eu próprio estou em movimento, não sou uma figura estagnada, a minha memória também não. Assim, é certo que talvez se possa dizer que mantenho uma batalha com a infância, mas não é mais violenta do que a batalha que mantenho com quem sou ou com quem imagino que serei.

 

Como a literatura mudou sua vida? E em que momento você decidiu que ela seria algo central?

Na adolescência, quando descobri a escrita com intenção literária, senti de um modo muito claro os efeitos do exercício diário da literatura. Recordo com uma certa ternura o momento em que me dei conta de que colocava pontuação nos pensamentos. Teria talvez uns 17 anos. Depois, a partir de certa altura, principalmente a partir do momento em que a escrita se transformou na minha profissão, deixei de reparar nessas pequenas idiossincrasias. Entreguei-me completamente a esta forma de perceção. Tento manter a consciência de certos aspetos que me ajudem a não perder o sentido prático, a distinguir as decisões que tenho para fazer e a gerir a minha vida, mas o meu quotidiano é literatura. Mais do que isso, o meu pensamento é sempre calibrado por esse viés. Há aspetos positivos e negativos nesse modo de encarar a vida: muito positivos e muito negativos.

 

Que conselho você daria a um/a jovem que pretende ser escritor/a?

Não é fácil dar conselhos. Os conselhos que se adequam a todas as pessoas são mais uma vaga sugestão do que, realmente, um conselho. Para dar conselhos, é preciso conhecer bem a quem se destinam, saber que essa pessoa está interessada nos seus conselhos e, principalmente, ter a suficiente sensibilidade para ter essa pessoa em mente e não os seus próprios e obscuros desígnios. Nesse espírito, ousaria aconselhar esse/a jovem a não perder de vista as razões que o/a levam a querer escrever. Aconselharia uma reflexão periódica sobre essa pergunta: por que razão faço isto?

 

José Saramago é o único autor em língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel de Literatura. Há quem considere o português – mesmo sendo o quinto idioma mais falado no mundo, com cerca de 260 milhões de falantes – uma língua periférica. Como você vê o espaço da língua portuguesa no mundo literário?

A literatura valoriza cada ser humano. Sempre que ouço alguém queixar-se de que Portugal é um país pequeno, apenas com 10 milhões de habitantes, sugiro a essa pessoa que conte até 10 milhões. Nunca ninguém aceitou essa minha sugestão, mas acredito que demorasse bastante tempo. O universo de falantes da nossa língua é enorme, composto por um caleidoscópio de nuances. Em primeiro lugar, nós próprios temos de reconhecer essa riqueza. Pessoalmente, tenho uma ótima experiência como autor português no mundo. Existe uma grande comunidade de tradutores de língua portuguesa e, em editoras maiores ou menores, existe interesse por dar a conhecer a nível internacional as culturas que compõem este espaço linguístico. Há instituições do estado português que apoiam a internacionalização da literatura portuguesa e que, em igual medida, apoiam a difusão internacional dos autores dos países africanos que usam este idioma. São diversos os exemplos de autores de países africanos de língua portuguesa que aproveitam estes apoios e que têm a sua obra bastante traduzida. Nesse âmbito, infelizmente, o Brasil não cumpre o seu imenso potencial. Trata-se de um país com um enorme espaço no mundo, que gera muitíssima curiosidade e interesse. No entanto, há grandes obstáculos: por um lado, o estado brasileiro não dá um apoio significativo aos seus autores; por outro lado, as profundas desigualdades que existem no país, a vários níveis, fazem com que seja difícil para os autores imporem-se até nacionalmente. Esses problemas, no entanto, não são do âmbito de quem escreve. Deveriam ser competência de quem tem a responsabilidade de criar uma política cultural, que inclua a literatura. Quem escreve deve tentar chegar profunda e intimamente a um leitor. Se conseguir fazê-lo, terá potencial para chegar a todos.

 

O acordo ortográfico de unificação da língua portuguesa, em vigor desde 2009 no Brasil, ainda gera muita discussão, em especial devido a certa repulsa por parte dos portugueses em aceitá-lo. Como você avalia este acordo na prática, levando em conta a diversidade cultural dos países?

Nunca tive qualquer interesse por esse assunto. A ortografia é o menor dos meus problemas. É-me absolutamente indiferente se colocam o “c” antes do “t” ou não. Sei ver que existem algumas normas neste acordo que são incoerentes, mas eu próprio sou incoerente muitas vezes e estou pouco me lixando para esse debate. Pela minha parte, apenas espero que se ponham de acordo. Tenho um filho de 16 anos que, como todos os seus colegas, aprendeu a ler e escrever com a atual ortografia. Aqui em Portugal, há pessoas que juraram que, até à morte, nunca usariam esta ortografia. Uma parte delas já morreram.

 

Recentemente, o Papa Francisco disse que “a Covid não é obra de um Deus cínico e implacável”, reforçando que este é um momento de compaixão, solidariedade e diálogo com o próximo. No romance Em teu ventre, você trata literariamente das aparições de Nossa Senhora de Fátima, no interior de Portugal, em 1917. Como é a sua relação com Deus?

Não sei suficiente sobre mim e sobre palavras para dar uma reposta que não simplifique de forma grosseira este assunto. Sei e não sei a resposta.

 

O que mais te assusta, amedronta, no mundo atual?

O ódio.

 

 

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Sobre Regresso a Casa, in El Universal, Mexico

27.10.20

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"Con la pandemia y confinamiento hemos perdido el futuro": José Luis Peixoto

Tras 12 años ausente de la poesía, el escritor, uno de los novelistas contemporáneos más aclamados en Portugal, presenta "Regreso a casa"

 

 

Al escritor portugués José Luís Peixoto la pandemia lo regresó a casa, no sólo lo confinó con su familia en Oeiras desde donde mira el Océano Atlántico, además lo regresó al hogar de su infancia en Galveias, donde nació en 1974, lo devolvió a su tiempo pasado, a sus padres y hermanos; y  desde esa memoria y desde el presente nació Regreso a casa, el libro que acaba de publicar en México Cuadrivio y que marca el retornó de Peixoto a la poesía,  género que le ayudó a enfrentar la incertidumbre ante la pandemia de Covid-19.

 

Tras 12 años ausente de la poesía, el escritor que es considerado uno de los novelistas contemporáneos más aclamados y leídos en Portugal, regresa a los poemas, “en el tiempo de cuarentena resultó más fácil para mí escribir poesía, pues tiene un discurso propio y una lógica propia, un lenguaje que permite también una síntesis y una confrontación con aspectos esenciales y al mismo tiempo metafóricos”, dice el narrador en entrevista desde Oeiras, municipio vecino de Lisboa.

 

Regreso a casa es el primer poemario que el narrador publica en México con Cuadrivio Ediciones, y aparece al mismo tiempo que en Portugal, Brasil, y pronto en España; “es la primera vez que tengo un libro saliendo así en cuatro editoriales independientes distintas, y en un trabajo concertado”, dice el poeta, dramaturgo, articulista, traductor y novelista, autor de Te me moriste, una de sus obras más aclamadas, y ganador del Premio Literario José Saramago 2001.

 

El narrador habla de la desazón sobre el futuro y de su novela Au tobiografía, recién aparecida en España, en la que propone un juego de espejos sobre la creación literaria y los límites entre la vida y la literatura, que tiene como protagonista a un muchacho parecido a él  y su encuentro con José Saramago,  Nobel 1998, quien consideró a Peixoto “una de las revelaciones más sorprendentes de la literatura portuguesa”.

 

¿La pandemia te trajo de regalo la poesía, un regreso a casa?
Yo estaba escribiendo una novela, pero de un día para otro la casa se quedó llena con los hijos; también por una cierta claustrofobia que llegó en ese periodo de cuarentena decidí hacer esa pausa en la escritura de la novela y entonces poco a poco fueron llegando los poemas. Este es mi cuarto libro de poesía, pero no publicaba poesía desde 2008, hace 12 años que no tenía un libro de poesía y muchas veces comparo lo que fue la llegada de la poesía a mis días con lo que fue también en esos días de cuarentena y de confinamiento la manera en cómo la naturaleza se soltó en nuestras ciudades.

 

¿La poesía es una manera de regresar a casa, de decir quién es José Luís Peixoto?
Es cierto, esa pregunta esencial es muy importante por la idea de la casa y la poesía: ¿quién soy?, es una cuestión que va a la raíz de lo esencial porque la casa es nuestro lugar, es nuestra posición, es el lugar donde estamos confortables y al mismo tiempo, desde un cierto punto de vista es nuestro origen; y la poesía también maneja esos conceptos, de algún modo la poesía es una casa conceptual y la casa es otra manera de decir poesía.

¿En esta vuelta al origen recuperas tu memoria?
Creo que en este tiempo donde los planes que teníamos fueron cancelados o cambiaron mucho, en este tiempo en que el ritmo y la velocidad que llevábamos se interrumpió, es un tiempo que nos lleva a hacer un balance, a reflexionar sobre nuestro real destino y al mismo tiempo sobre quién es la persona que somos, creo que todos llegamos a ese punto de mirar ¿dónde estamos y quiénes somos?, y eso necesariamente se hace por el contraste con el pasado, y hacemos una cartografía desde el punto de partida hasta ahora.

 

¿Por eso hay una certeza de que está bien hacer un alto?
En este tiempo de la pandemia, la cuarentena y el confinamiento hemos tenido la oportunidad de parar y mirar quiénes somos; vivimos un tiempo en que el futuro cambió, el concepto de futuro es muy distinto de lo que era antes, porque antes teníamos la ilusión de que el futuro era mucho más claro de lo que es ahora mismo, hoy estamos como si hubiéramos perdido el futuro.

 

¿Sin embargo el corazón del libro es que la vida sigue?
Creo que sí, que este es un libro optimista, es un libro que intenta mantener esperanza ante esta situación porque la esperanza nos salvará, la esperanza es el combustible, la esperanza es lo que tenemos para seguir viviendo aun con dificultades tan grandes como la que estamos atravesando.

 

¿Hay aquí una especie de diario del confinamiento?
Es cierto que este libro tiene mucho de diario no solamente por los puntos en los cuales reflexiona, aspectos directos de momentos específicos, sino también por esa dimensión íntima y personal que tiene, ese es un aspecto muy importante del libro y lo veo como uno de los elementos que más me llenan de orgullo porque mi intención con este libro hoy es que pueda tener algo de reconfortante para los otros, que pueda ser una voz que ponga al lector en contacto con su propia voz íntima, con la propia voz personal y que en este trabajo encuentren confort y apaciguamiento.

 

¿Un libro que se escribió y se publicó muy rápido?
Hay como media docena de poemas que había escrito antes y que añadí, pero la gran mayoría de los poemas los escribí entre marzo y junio, fue una escritura muy rápida y creo que nunca había escrito un libro tan rápido, ni de poesía no de otro género. Las características especiales de este tiempo proporcionaron esa mirada, y al mismo tiempo, la poesía también exige un poco esa reflexión, cuando nombramos también tenemos que tener clara esa visión.

 

¿También acabas de publicar Autobiografía?
Esa una novela se esperaba que saliera en abril en España y comenzar un periodo de promoción por varios países; salió en junio pero sólo en España, desgraciadamente, es una novela que tiene un título muy raro, Autobiografía, pero no es realmente una autobiografía, es una novela y tiene la gran particularidad de tener como personaje central a José Saramago que es una persona que yo conocí muy bien y que en México tiene muchísimos lectores y seguidores; espero que podamos encontrar maneras en el futuro de volver a pensar en ir a Colombia, Perú y México.

 

¿Has vuelto a la novela que escribías antes de Regreso a casa?
Sí he vuelto, aunque nunca es fácil volver a un proyecto de novela interrumpido, siempre hay aspectos que se pierden pero uno tiene que tener conciencia de eso y estar disponible para tener un abordaje nuevo y buscar nuevas ideas, y en este caso estoy contento de haber vuelto a esta novela porque escribir una novela es un trabajo muy intenso en el cual uno se involucra de una manera muy intensa y estoy contento de haber recuperado ese trabajo.

 

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Sobre Autobiografia, in Diario de Pontevedra, Espanha

27.10.20

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Señalado incluso por el propio José Saramago como su sucesor en el olimpo de las letras lusas, José Luis Peixoto pisa firme en ese itinerario, armándose de valor para entremezclar su vida con la del propio creador de ‘Memorial del convento’. Un reto brutal del que José Luis Peixoto sale más que airoso, componiendo un texto lúcido y en ocasiones brillante, emocionante para los seguidores de Saramago y que respaldan a su autor como uno de los nombres de referencia de la actual literatura portuguesa.

 

 En ‘Autobiografía’, editada en nuestro país por Random House, nos encontramos un juego de espejos, de nombres y personas que hilan sus caminos, como ya hicieran en ‘O ano da morte de Ricardo Reis’, el mismísimo Fernando Pessoa con uno de sus heterónimos, Ricardo Reis, retornado de Brasil a una Lisboa donde «o mar acaba e a terra principia» en un libro lleno de inteligencia, por el que también transita José Luis Peixoto, sabedor de sus posibilidades para hacer del territorio capitalino lugar de encuentro y ámbito mítico de libros y personajes.

 

Pero hacer de Saramago mito es también poner el pie en otras geografías, en la Azinhaga natal, tierra de olivos, abuelos y memorias de la infancia; pero también en el Lanzarote que lo acogió y que descubrió como ámbito imprescindible en el devenir final de su vida, territorio entre vientos y volcanes de contemplación de lo que quedó atrás, de disfrute con su pareja Pilar del Río y como impresionante escenario del que despedirse de la vida tras el viaje del elefante. Allí, donde todos los relojes de la que fue su casa marcan la misma hora, cruce de agujas en el que conoció a Pilar del Río, Saramago estableció un modesto refugio en el que al tiempo se acogía toda su vida, desde aquella aldea portuguesa, al Portugal político que lo despreció en los años noventa tras escibir ‘El Evangelio según Jesucristo’ y, como no, esa Lisboa que plantó frente a la Casa dos bicos, sede de su fundación, otro olivo, para ser memoria del compromiso del Nobel con su tierra, incluso por encima de su país.

 

Todo eso va fluyendo en el relato de José Luis Peixoto, tras el encuentro de un joven escritor al que se le encarga la biografía del gran literato, y que finalmente lo que busca construir, como no se cansa de repetir, es un «texto ficcional de cariz biográfico» y que lo que logra es posibilitar una biografía doble, de dos autores que como Pessoa y Reis son uno. José y Saramago, dos personas en una. «José era yo» ya escribira Peixoto de manera premonitoria en 2010. Dos tiempos diferentes, dos edades en la misma persona. Brillante. Y eso, tan complejo de gestionar como elemento literario, es lo que vamos encontrando en un relato en el que las dudas nos asaltan sobre quien realmente está escribiendo la biografía de quien.

 

Un libro, por lo tanto, lleno de momentos portentosos, instantes repletos de imaginación que nos conducen directamente a la obra de Saramago, como cuando la propia Pilar del Río lo miraba y era capaz de mirar a través del autor de ‘Ensayo sobre la ceguera’ como la inolvidable Blimunda, protagonista de aquel ‘Memorial del convento’ capaz de mirar en el interior de las personas, y que precisamente fue el texto culpable de que ambos se conociesen. El libro está trufado de esas complicidades entre la vida y la obra de José Saramago que lentamente se van colmatando a lo largo de estas páginas que fracturan los límites entre la literatura y la vida, que hacen de lo biográfico y de la fi cción un tira y afloja en un total desafío que muestra la genialidad del este escritor.

 

José Luis Peixoto nació también en un pequeño rincón portugués, Galveias (título de una de sus novelas más interesantes) en 1974 y que con su primera obra, ‘Nadie nos mira’ logró el Premio José Saramago, lo que le sirvió para unir prematuramente su destino al de quien enseguida mostró su interés por aquel autor del que llegó a decir que es «un hombre que sabe escribir y que será el continuador de los grandes escritores». Lejos de sentirse aplastado por esa presencia José Luis Peixoto ha ido diversifi cando su obra desde la poesía, que lo trajo hasta nuestra ciudad en 2015 para participar en una edición de Pontepoética, el cuento infantil, la literatura de viajes o el teatro.

 

Esta ‘Autobiografía’ es un escalón más en esa carrera como escritor, pero sobre todo lo es en ese deambular por una vida que se cruza una y otra vez con la suya. El Hotel Bragança, la Rua do Alecrim, el Cais do Sodré... itinerarios de sombras que se cruzan y componen un mismo personaje, ese que el tiempo y la palabra dejarán para la posteridad como un relato propio desde el que narrar al otro. Desde el que tensionar una escritura llena de espejos líricos en los que refl ejar a uno y otro José, al José Saramago y al José Peixoto.

 

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Sobre Morreste-me, in Estadão, Brasil

02.08.20

 

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"Quem passou pela Flip em 2012 se lembra da comoção que foi a leitura integral que o escritor português José Luis Peixoto fez de Morreste-me num evento paralelo do festival literário. Ele nunca tinha feito isso, nem pensado em fazê-lo. O livro, o primeiro que escreveu, é a sua tentativa de elaborar o luto após a morte de seu pai. Escrito aos 21 anos, em 1996, e publicado em 2000, o breve, profundo e poético relato só chegou às livrarias brasileiras em 2015, quando ele já era considerado um dos principais autores de sua geração.

No livro, o filho conversa com o pai “impossivelmente morto” enquanto relembra os últimos momentos vividos em casa ou no hospital e fala sobre o presente, ou seja, o regresso a uma 'terra cruel' – 'A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse'. Peixoto não teve medo de mergulhar nesse luto, de se apresentar menino diante de sua dor e de se mostrar homem diante da situação do pai: 'Pai, que nunca te vi tão vulnerável, olhar de menino assustado perdido a pedir ajuda. Pai, meu pequeno filho'. Ao escrever, pensar e falar sobre a morte, o autor faz uma reflexão sobre a vida, o amor, o tempo. O livro representa, também, a passagem para a vida adulta e o começo de uma nova história – a de um jovem que diante da dor extrema se descobre escritor, algo que esse pai jamais imaginou.

Em entrevista à época do lançamento, Peixoto classificou a literatura como uma cartografia invisível. 'Por meio dela, tentamos encontrar sentido, referências para não nos perdermos do essencial. Ela dá proporção, equilibra a memória, limpa o pensamento.' Para escritores e para leitores.

Morreste-me condensa temas que o autor vem tratando em sua obra. É triste e é bonito. Uma leitura delicada em tempos de lutos sem fim."

 

Maria Fernanda Rodrigues

 

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