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Ponto Final, Julho 2016

19.07.16

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“É muito difícil escrever se não fizer um exercício de empatia”

 
 
E foi a empatia por uma certa e persistente ruralidade que levou José Luís Peixoto a debruçar-se sobre as aparições marianas de Fátima, num livro que tem sido qualificado pela crítica como o melhor de quantos lançou até ao momento. “Em teu ventre” foi ontem apresentado na Livraria Portuguesa, numa sessão que contou com a presença do autor. Em Macau pela terceira vez, o escritor, de 41 anos, regressou ao território para gravar um programa para a RTP, no âmbito de um périplo de um mês pela China, país que deverá começar a publicar as suas obras a partir do próximo ano. José Luís Peixoto em discurso directo.
 
 
 

PONTO FINAL: Terceira vinda a Macau e Terceira vinda por motivos muito distintos. Depois da participação no Festival Literário “Rota das Letras”, uma visita quase de médico e agora um segundo regresso para dar a conhecer Macau como destino turístico. A que préstimos se presta esta terceira vinda?

José Luís Peixoto: Para mim, estas oportunidades de vir a Macau são todas bem-vindas. Desde a primeira vez que fiquei com muito boa impressão. É claro que Macau é sempre um destino muito especial para os portugueses e confirmei isso nessa altura. Todas as visitas têm aprofundado um pouco essa minha primeira impressão. Neste momento, esta visita acaba por ser para mim num papel que me é pouco comum e que, para mim, é uma experiência inédita, mas que também por isso é bastante agradável e que tem que ver com um programa de televisão associado à revista “Volta ao Mundo”, que é uma revista de viagens que se publica já há mais de vinte anos em Portugal e na qual tenho colaborado regularmente nos últimos sete anos e que agora tem este programa que passa na RTP3 – e que neste momento está acessível internacionalmente através da Internet – mas que esperamos também que possa chegar aos canais internacionais da RTP brevemente. No mês de Novembro, esse programa vai ter a sua edição dedicada a Macau. No fundo o que vamos fazer são quatro episódios, que vão ser apresentados semanalmente durante o mês de Outubro.

 

Aproveitaram para matar dois coelhos de uma cajadada, digamos assim …

J.L.P: Sim. Estando aqui tão perto de Hong Kong, chegamos com uma semana de antecedência para também fazer uma visita aos lugares mais simbólicos do ponto de vista do visitante internacional, nomeadamente do possível visitante português e, ao mesmo tempo, desta forma tentar criar um retrato de Hong Kong que possa ser cativante, porque efectivamente, apesar de serem nomes que as pessoas ouvem com muita frequência sinto que ainda há muito desconhecimento quer sobre Hong Kong, quer sobre Macau. Todos estes contributos para que as pessoas se possam abeirar, de alguma forma, um pouco mais destas realidades acho que são válidos. No caso de Macau, a ligação é ainda mais relevante devido a alguns aspectos particulares, que advêm da nossa relação histórica …

 

Esta empreitada que nasce de um périplo mais largo pela China. Está há um mês neste lado do mundo …

J.L.P: Sim. É verdade.

 

Esteve na República Popular da China, num encontro de poesia. É um país que já se habituou a conhecer melhor …

J.L.P: Todas estas viagens acabaram por ficar concentradas numa só porque não faria sentido chegar a Portugal e regressar a este lado do mundo, uma vez que todos estes destinos eram relativamente próximos. Efectivamente cheguei duas semanas antes e uma parte desse período, passei-o na província de Sichuan, num festival de poesia, que para mim foi muito interessante pela oportunidade de contactar com poetas chineses, pela possibilidade de dar a conhecer o meu trabalho ao público chinês. Estive antes disso em Pequim, onde falei com os estudantes da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim, naquilo que foi uma experiência muito agradável, também pela surpresa que para mim constituiu encontrar estudantes chineses a falar português, com tanta perfeição e com um vocabulário tão vasto. Aos mesmo tempo, também foi uma oportunidade para desenvolver alguns contactos no âmbito de projectos futuros que espero ter já no próximo ano, com a China, nomeadamente a edição de livros meus, que é algo que neste momento tenho já muito garantido de que irá acontecer já no próximo ano…

 

Já era possível, de resto, encontrar alguns trabalhos de José Luis Peixoto em chinês. Poemas, sobretudo …

J.L.P: Sim, sim. Tem acontecido algumas publicações, mas não é muito fácil na medida em que se trata de universos muito distintos. O mundo editorial da Europa e o mundo editorial chinês têm particularidades próprias e a comunicação não é particularmente fluída. De certa forma, esse trabalho de aproximação, no âmbito da literatura, eu parece-me que acaba quase por se ter de ultrapassar uma barreira civilizacional, porque a literatura acaba por transportar uma grande quantidade de valores que estão muito ligados à história, que estão muito ligados à cultura mais visceral de um povo. Por isso, este tem sido um caminho mais ou menos longo, que no meu caso já passou por edições em mandarim na Internet. Houve, durante um período, um projecto de três estudantes de Pequim, que alimentavam um blogue com traduções de textos meus em mandarim, o que meu deu muito prazer. Ao mesmo tempo, também permitiu encontrar alguns leitores dispersos, mas que acabou por ser uma janela pequena para esse mundo imenso que é o universo dos novecentos e tal milhões de falantes de mandarim, mas agora, neste momento, está em perspectiva aquilo que eu acho que é a ambição de qualquer escritor e que é ver um livro seu publicado, impresso em papel neste universo gigantesco.

 

Era uma lacuna? Para um escritor com uma faceta cada vez mais internacionalizada, como é o caso do José Luís Peixoto, é importante chegar ao público chinês …

J.L.P: Bem, eu nunca senti isso como uma lacuna, na medida em que não é possível, acho eu, para um autor ocidental – seja europeu ou de outro rincão do dito Ocidente – contar com uma edição na China. A China é de tal forma uma outra realidade dentro deste âmbito literário que, realmente, nem se imagina uma tal possibilidade. Agora, uma coisa é certa: é muito recompensador. É um prémio, de certa maneira. Eu se calhar nem devia falar tanto. É muito pouco oriental falar assim de uma coisa que ainda não aconteceu, mas efectivamente eu sou português.

 

Todas estas viagens que o José Luis Peixoto tem feito ao longo destes últimos anos, mudaram alguma forma o modo como escreve o rapazinho que nasceu nas Galveias?

J.L.P: Seguramente. Não tenho qualquer dúvida disso. Efectivamente, aquilo que muda a nossa maneira de ver, que muda a nossa maneira de pensar, acaba necessariamente de ter reflexos na nossa maneira de escrever, que é a nossa maneira de nos exprimirmos e que é o fruto daquilo que vemos e daquilo que pensamos. Ainda assim, tendo em conta que eu vou acompanhando com uma certa atenção esses meus processos individuais, porque a escrita também o exige, eu creio que efectivamente há aqui uma dicotomia que é muito intensa nos dois âmbitos e que tem que ver com a ligação a um espaço muito concreto, que para mim é uma ligação muito presente. Ainda hoje, aqui em Macau, sonhei com as Galveias. Também há, no entanto, uma necessidade muito grande da minha parte de me afastar das Galveias e de ir para outros lugares que, em certa medida, são – pode-se mesmo dizer – antagónicos a essa realidade. É paradoxal, não tenho uma resposta muito completa que explique essas duas pulsões e essas duas realidades, mas é um facto que as duas estão muito presentes na minha vida e eu não rejeito nenhuma delas. Muitas vezes sinto que o meu trabalho é dar notícias das Galveias ao mundo e dar notícias do mundo às Galveias. Às vezes estou a fazer uma dessas tarefas e às vezes estou a fazer a outra.

 

Durante a sua primeira passagem por Macau, em 2012, mostrou-se fascinado com este mundo dos casinos, pela estética dos casinos, pela própria forma como os casinos brincam com a noção de tempo. Isto é algo que ainda exerce sobre si algum apelo? Ou aquilo que era uma novidade na altura sumiu-se?

J.L.P: Neste momento já não sou capaz de recordar muito concretamente daquilo que disse nessa ocasião, até porque já passou algum tempo e já não sei exactamente qual era a minha intenção na altura. Sei, no entanto, de uma coisa: a minha postura perante a realidade nunca é de rejeição ou de fechar os olhos ou de construir tabus. No que diz respeito a Macau, os casinos muitas vezes, sob uma certa perspectiva, são um incómodo no que diz respeito ao discurso que se tem sobre Macau e eu isso acho pouco interessante, na medida em que os casinos são uma realidade importantíssima de Macau. Retratar Macau sem os casinos não é retratar Macau, porque eles estão aqui e são, em muitos aspectos, o motor daquilo que Macau é hoje em dia. É claro que, se calhar – e não sei se era a isso que me referia há quatro anos nessa intervenção – para um romancista, para alguém que escreva romances, os mundos são muito atraentes, assim como é atraente a ideia de se encontrar um mundo. Nos casinos, efectivamente, existe ali um mundo que constrói uma grande quantidade de paredes artificiais em relação ao outro mundo. Falo não só das paredes físicas, mas também de todas essas paredes de fantasia que pretendem edificar aquela quimera para quem sonha com fortuna. Isso é muito interessante. Não rejeito isso. Não é a minha realidade, mas eu também não me interesso só pela minha realidade. Muitas vezes até são as realidades mais distantes da minha que mais me cativam.

 

Se se interessasse apenas pela sua realidade, não tinha porventura visitado a Coreia do Norte. É um país que o ilude? Ou que o desilude?

J.L.P: Neste momento, em que já tive a oportunidade de regressar à Coreia do Norte, é um país que me fala de uma maneira muito particular, na medida em que também, e com o passar do tempo, já desenvolvi algumas relações pessoais até com a própria realidade daquele espaço e que também é uma realidade muito inusitado e muito distante da minha. Agora, penso sobretudo que é um país que me ilude, mais do que desiludir, até porque eu não tive nenhuma ilusão em relação à Coreia do Norte. Sinto, também, que me ilude bastante na medida em que, quanto mais tento aprofundar o meu conhecimento, mais dúvidas tenho. Quanto mais vou dando como certo em relação a esse país, mais me apercebo da quantidade de aspectos para os quais não encontro qualquer resposta.

 

Nesse sentido, estamos perto ou longe de ter a Coreia do Norte como protagonista de um qualquer trabalho seu?

J.L.P: Não sei dizer. Neste momento não penso nisso. Também é verdade que, de modos que, muitas vezes só eu é que consigo identificar, a Coreia do Norte vai entrando aqui e ali. Como dizia há pouco, tudo aquilo que muda a maneira de ver e de pensar, depois tem reflexos.

 

Apresentou ontem, na Livraria Portuguesa, “Em Teu Ventre”, aquela que tem sido louvada como a sua obra mais completa até ao momento. Neste livro aborda aquele que foi, provavelmente, o maior acontecimento da história do século XX português, mais até do que a independência das antigas colónias ou outras vicissitudes políticas. É um acontecimento que deixou e continua a deixar uma marca indelével sobre Portugal, mesmo cem anos depois. Porquê Fátima? Porque as aparições da Cova da Iria? Porque arriscar o seu nome com um tema que é, por si mesmo, um tema polémico?

J.L.P: É curioso porque uma das minhas principais intenções ao escrever o livro era que ele não fosse polémico, o que é um pouco fora do habitual, mas no caso deste tema parecia importante porque aquilo que é mais fácil, parece-me a mim, em relação à questão das aparições de Fátima é entrar em polémicas e, efectivamente, com uma única frase acho que seria fácil criar uma provocação que, eventualmente, fosse polémica e para mim, uma parte dos objectivos a que me propunha, era evitar sempre essa frase, na medida em que em relação a Fátima sentia – e ainda sinto – que existe muita dificuldade de tratar o tema. Existem alguns discursos que estão já mais ou menos estabelecidos e que são muito maniqueístas: um é a favor e outro é contra. Um crê e o outro é céptico ou mesmo descrente e eu sentia a falta de um terceiro discurso que, pura e simplesmente, não tivesse necessidade de se definir sobre essa bitola, mas que ao mesmo tempo trouxesse alguma informação pertinente e que pudesse também contribuir para um esclarecimento e para um debate sobre o assunto. Foi nessa perspectiva que eu me propus a tratar este tema, tendo em conta que havia diversos aspectos nele que me atraíam e que não passavam apenas pela questão religiosa. Interessava-me também o próprio retrato de Portugal que fica presente naquela história. Senti que um tema como este tem uma vertente bastante importante subjectiva, ainda que seja inegável que também tem uma vertente inescapável objectiva e,  nesse sentido, a minha escolha – para além de alguns aspectos que acabam por ser, de certo modo, necessários num texto de ficção e que acabam por ser subjectivos – sob o ponto de vista do tratamento histórico da questão o meu interesse foi deter-me em dados e em elementos que são objectivos. Tirando uma pequena minoria que alimenta diversas versões alternativas do que aconteceu e que alimenta múltiplas especulações, de um modo geral os crentes e os não-crentes estão juntos na aceitação de uma série de dados históricos que no fundo são a relação que o livro estabelece com esse acontecimento histórico e isso é muito interessante. Para mim, foi muito interessante. Por um lado, permitiu-me desenvolver uma reflexão que eu já desenvolvi noutros livros e que me continua a funcionar por múltiplos motivos e que tem a ver com esse Portugal rural, esse Portugal eu quase diria condensado, do campo…

 

Este Portugal rural caminha quase para a extinção. O interior está abandonado, quem lá mora são sobretudo idosos. A ruralidade reinventou-se de alguma forma? As aldeias e o campo estão a morrer, as cidades crescem, mas mantém-se um certo provincialismo, passe a expressão. De que forma é que Portugal se tem reinventado em termos de costumes? Isso é algo que tenta também perceber nos seus livros?

J.L.P: Já estou nos quarentas e já sinto uma certa necessidade de me entregar a algumas reflexões mais profundas. No que diz respeito a essa questão, eu sinto que esse Portugal rural, ele não poderá extinguir-se realmente, na medida em que ele é responsável por uma série de coisas que são necessárias à sobrevivência e não me refiro apenas à agricultura e à alimentação, que são questões que têm a si imanentes a necessidade de manter um vínculo profundo à terra. Refiro-me a uma série de outras questões que, nos podemos afastar delas, mas que tarde ou cedo havemos de voltar a elas, porque precisamos delas para viver com qualidade. Refiro-me a coisas como, por exemplo, o tempo, um ritmo mais humano, uma forma de estar que seja um pouco mais desvinculada de certos valores que a meu ver se colocam às vezes que não é o deles. Eu acho que não é por acaso que muitas vezes, as pessoas quando chegam aquelas idades mais avançadas, em que já podem dispor do seu tempo de uma maneira mais livre, regressam à terra, regressam a esses espaços. É porque, efectivamente, há ali qualquer coisa que é vital e que não pode ser comprada. Ainda assim, é claro, existem evoluções, existem diferenças, mas aquilo que são as questões essenciais, aquilo que é o mais central da ruralidade acho que vai continuar a existir em certa medida no futuro da mesma maneira que hoje em dia nós nos apercebemos de que ela existe na distância espacial. Os elementos rurais na China, na América do Sul, em África ou na Europa partilham uma série de características que são transnacionais, apesar das características próprias que depois existem em cada lugar e que depois advêm das condições e da realidade de cada um. São muitas vezes esses valores que estão presentes em Portugal, até no mundo urbano e que são aquilo que nos distingue. Da mesma maneira que Macau se distingue de Hong Kong pelo seu passado e pela sua relação com Portugal, nós, enquanto portugueses, distinguimo-nos dos outros países da Europa em função das nossas características específicas e que têm que ver com aquilo que preservamos da nossa história, apesar das mudanças que também existem e que advêm da mudança de regime em 74, de uma abertura ao mundo sob o ponto de vista da cultura de massas. Nessa medida, eu sinto que enquanto portugueses é importante estarmos de bem com esse nosso lado, aceitá-lo e ao mesmo tempo valorizá-lo e em certa medida preservá-lo, uma vez que nós somos esse Portugal. Uma parte de nós é esse Portugal e estarmos de bem connosco próprios é essencial para estarmos de bem em absoluto.

 

Voltando ao seu último livro… Porque escolher a vidente que mais viveu, a mais documentada e a que deixou também um legado biográfico mais vasto? Há alguma forma de fugir aquilo que Lúcia de Jesus legou?

J.L.P: Sob o ponto de vista histórico não há dúvidas de quem é a protagonista ali. Lúcia foi quem viveu mais anos, aquela história que é comummente contada é uma simplificação daquilo que foram os dados que ela própria comunicou e, por isso, não há que fugir do testemunho dela quando se trata deste assunto, até porque muitas vezes há um detalhe que muitas vezes não é referido e que tem que ver com o facto de os dois primos de Lúcia terem tido uma experiência de vidência menos completa. Jacinta não falava e Francisco não falava nem ouvia Nossa Senhora e isso é aceite por toda a gente, não é nenhuma descoberta de ontem. Isso é muito interessante. Pequenos detalhes como esse, que normalmente ficam de fora de uma narração mais superficial desta história são muito interessantes e, efectivamente, ninguém tem interesse em esconde-los, embora, muitas vezes, contando esta história em dois minutos, eles não sejam incluídos. Sinto que, inclusivamente, mesmo para os crentes e para as pessoas para quem esta história é importante – e muitas vezes é muito importante mesmo – a simplificação deturpa porque, ao se retirar e ao se omitir certos detalhes, fica-se com uma ideia bastante diferente exactamente do que pode ter sido. Uma das reacções mais interessantes que tenho tido a este livro é, justamente, a reacção por parte daqueles que têm essa fé nas aparições de Fátima porque efectivamente ali, naquele livro – e no que diz respeito a esse aspecto do livro, porque o livro também tem outras nuances – mas no que diz respeito a esse aspecto acho que encontrou um retrato que tenta ser realista em relação aquilo que toca e aquilo que descreve efectivamente. O livro nunca descreve as aparições. Se fizesse alguma descrição das aparições estaria sempre a tomar uma posição e o meu grande objectivo era justamente conseguir descrever todo este tema sem cair na necessidade de escolher um lado.

 

Se o livro ainda não foi criticado pela Igreja Católica, é porque conseguiu …

J.L.P: Tenho tido boas críticas em órgãos da Igreja Católica.

 

Ajudou-o, de certa forma, a compreender melhor ou até a aceitar este fenómeno de Fátima, o facto de ter trabalhado neste livro?

J.L.P: Sim. Eu para mim é muito difícil escrever se não fizer um exercício de empatia. É muito importante colocar-me na posição de todas as personagens para humaniza-las, para elas não serem só uma sombra e poderem ter a ambição de algo próximo de uma pessoa. As pessoas são de outro nível e de outra dimensão, mas ainda assim esse exercício de empatia é muito importante e efectivamente, em nenhum momento, quer a escrever o livro ou, mais tarde, em entrevistas como esta – ou em apresentações do livro – de dar a minha sensibilidade em relação a esta questão na medida em que sinto que, num caso ou no outro, é sempre uma posição pessoal, porventura até uma posição íntima que me parece completamente inusitado que alguém opine sobre isso. Será sempre uma questão de fé. Quem não esteve lá a 13 de Outubro de 1917 terá sempre de exercer o seu próprio discernimento para dar uma posição sobre se existiu esse dito milagre ou não. Isso pode acontecer com respeito. Todos estão no seu direito de acreditar ou de não acreditar. Se existir respeito, não vejo nenhum motivo para uns ou outros se sentirem incomodados com a posição seja de quem for.

 

Uma última questão, de certa forma da praxe… Depois de este “Em Teu Ventre”, o que podemos esperar de José Luís Peixoto?

J.L.P: Eu neste momento estou a trabalhar num livro que tem uma viagem também. Penso que essa será a minha próxima publicação. Não vai ser este ano. Este ano de 2016 vai ser um ano em que não creio que vá publicar alguma coisa. Publiquei um livro infantil há alguns meses, mas um livro desses que realmente representa um degrau no meu caminho, acho que não vai acontecer porque este ano tenho estado ocupado com outras coisas, a viajar por exemplo.

 

Essa circunstância de progredir um degrau, é algo que lhe pesa, digamos assim? As críticas a este livro têm sido boas, de uma forma geral. A obra é louvada por muita e boa gente como o seu melhor livro até ao momento. Isto é, de certa forma, uma responsabilidade?

J.L.P: É claro que a crítica tem muita importância, porque a literatura precisa de um olhar que a analise e que a coloque no seu lugar. Acho até que o autor é o primeiro grande crítico do seu próprio trabalho, ainda que a reacção dos outros tenha também muita importância. Ainda assim, não é algo previsível. No momento em que se está a trabalhar num determinado projecto, não é fácil – e eu até diria que não é sequer possível – ter realmente a noção de como é que ele vai ser visto a esse nível. Há sempre um horizonte, no momento em que se está a escrever sobre o que os outros poderão ler naquelas palavras, mas isso não pode ser visto como determinante, até porque escapa muito a todos os planos que se possam fazer. Nessa medida, sem querer fugir a isso, a realidade é que o grande desafio é sempre pessoal e isso não é pouca coisa, porque o crítico mais severo, o mais exigente acaba por ser o próprio e efectivamente a superação tem que ser medida pelo próprio. Muitas vezes é aí que reside a dificuldade de tudo o que advém deste tipo de projectos e é claro que eles, em certa medida, são cada vez mais exigentes e são cada vez mais ambiciosos, até porque há essa necessidade. Se não for assim, pessoalmente não me sinto a evoluir, não sinto o desafio cumprido. É sempre importante que exista uma meta e que essa meta fique um pouco além do que já se alcançou e que chegue um momento em que se consiga acreditar que se alcançou esse objectivo, embora tudo isto seja mais fácil de dizer do que fazer, porque há muitas dúvidas e há muitas questões, mas se isso acontecer, depois, na hora de publicar, sejam quais for as reacções está-se preparado para elas porque também se tem uma consciência mais ou menos fiel daquilo que se fez.

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