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O Globo, 26 de agosto de 2014

28.08.14

 

 

 

TEXTO COMPLETO: 

 

José Luís Peixoto: ‘Na Coreia, os rádios só têm o botão de ligar e desligar’

 

“Tenho 40 anos, dois filhos e nasci em Galveias, Ponte de Sor. Um dia, quando estava em Korean Town, em Los Angeles, pensei em escrever sobre algo diferente da minha realidade e que não fosse literário. O próprio lugar me deu a resposta, e decidi ir para a Coreia do Norte, que era o mais diferente que eu conseguia imaginar”

 

Conte algo que não sei.

Na inauguração do primeiro e único campo de golfe norte-coreano, segundo a agência nacional de informação, o líder Kim Jong-Il acertou todos os buracos com uma só tacada em cada um deles sem nunca ter jogado golfe antes. No fim, disse que não voltaria a jogar porque era muito fácil. O feito se tornou indiscutível e foi testemunhado apenas por seguranças e generais.

 

A Coreia do Norte é um anacronismo no século XXI?

Já existiram muitas ditaduras na História, mas, com esse nível de sofisticação de controle dos cidadãos, não creio que já tenha existido. E ele é feito por meio da restrição da informação. Nós vivemos em uma sociedade de informação, o que faz a Coreia do Norte parecer um país fora do mundo.

 

Em sua experiência no país, foi possível separar o que é mentira e o que é verdade?

Ali, toda informação é propaganda do regime. Tentar entender a Coreia do Norte e os norte-coreanos é um exercício muito difícil. É muito complicado se colocar no lugar de uma pessoa que nasceu naquela cultura, com os pais defendendo um regime de ídolos e líderes sobre-humanos. Mas, apesar de viverem com regras severas e marciais — o país é o quarto no mundo em número de efetivos militares —, há momentos em que as pessoas se soltam.

 

Que momentos são esses?

A manifestação da individualidade é uma das coisas mais oprimidas no país. E ela é muito rara. Eles ganham a liberdade pelo soju, uma bebida tradicional que os deixa mais relaxados.

 

Qual foi a sua impressão da força militar do país?

A primeira das duas visitas que fiz, em 2012, coincidiu com os 100 anos do nascimento de Kim Il-sung, o principal líder histórico do país. É a partir do nascimento dele que é contado o calendário usado na Coreia do Norte. Assisti a um desfile militar em Pyongyang, e, até para quem não é especialista bélico, pareceu evidente que se tratava de material muito ultrapassado. Depois da passagem do aparato, o ar ficava irrespirável por causa da fumaça dos veículos muito antigos, queimando óleo.

 

Pelo seu relato, isso se aproxima muito do país fictício de Orwell em “1984”, não?

Sim. Não há um momento em que as pessoas minimamente mostrem algum descontentamento. É uma sociedade que vive sob acusação mútua. Todos observam tudo e todos. Esse discurso bélico está em toda parte. É uma ferramenta de propaganda para deixar o povo em suspensão, como que preparado permanentemente para uma guerra, com a impressão de estar sob ameaça constante dos seus principais inimigos.

 

O que você conseguiu conversar com a população?

São poucas as pessoas que falam outra língua além do coreano. As conversas com os guias geralmente têm um filtro do discurso oficial, e, às vezes, eles falam de uma realidade que claramente não existe, como, por exemplo, números extravagantes de produção em fábricas completamente obsoletas. Com os guias é quase impossível ter conversa sobre temas polêmicos. A Coreia do Norte é um país que só tem uma TV e um canal de rádio. Os aparelhos de rádio são vendidos só com o botão de ligar e desligar. Os norte-coreanos recebem lições inventadas de como é o mundo exterior, que os fazem acreditar que são o país mais desenvolvido do mundo.


No site de O GLOBO.

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Visão, 2012

15.05.14

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Diário de Notícias, 15 Novembro 2012

15.05.14

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Los Angeles Weekly, May 2014

15.05.14

The strange, spare contents of a North Korean bookstore

By Hector Tobar

 

 

 

The Portuguese writer Jose Luis Peixoto saw many strange things on his visit to Pyongyang, North Korea. A grocery store with a box of onions, kimchi and not much else on offer (“No pictures, please!”). And the first hamburger joint in Pyongyang, where there were just 12 people in line (all from his tour group), and he waited an hour for his food.

 

Peixoto is the author of the novels “Blank Gaze” and “The Implacable Order of Things,” the titles of which coincidentally offer apt descriptions of his 2012 visit to the Hermit Kingdom. This month the journal Ninth Letter is publishing serialized excerpts of his North Korea travelogue on its website. In “Inside the Secret,” Peixoto recounts what he saw during a 15-day packaged “Kim Il Sung's 100th Birthday Ultimate Mega Tour.”

 

The most recent installment relates Peixoto's visit to the Foreign Language Bookshop in Pyongyang, the North Korean capital. There were, apparently, no books by foreign writers. Peixoto says that “most of the books for sale were the complete works of Kim Il Sung and Kim Jong Il translated into various languages, or books about them.” The literary fiction section had scant offerings. Many of them had been written by the Late Great Leader, or by unnamed Communist Party literary apparatchiks.

 

“I bought a copy of everything they had,” Peixoto writes. His purchases included “an anthology of folk tales called ‘The Legends of Pyongyang’ translated into French; a long epic poem in English called ‘Mount Paektu’; a novel entitled ‘Sea of Blood,’ adapted from the famous revolutionary opera.” Said opera is credited to Kim Il Sung, while the adaptation was written by the ChoSeon Novelist Association of the 4.15 Culture Creation Group.

 

Peixoto also found “a novella set in wartime called ‘The People of the Fighting Village,’ written by the director of the prose sub-committee of the Central Committee of the Korean Writers' Union; and ‘A Usual Morning,’ a collection of short stories by various authors, the first of which (the title piece of the collection) narrates how the Great Leader, personally, resolves the problems of an agricultural cooperative and rewards the efforts of a young comrade.”

 

And finally, Peixoto’s purchases included another book, which “despite not being in the literary fiction section, seemed to me could be read in the same light. It was called ‘The Democratic People's Republic of Korea: an Earthly Paradise for the People.’ ”

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Jornal i online, 27 Novembro 2012

14.05.14

José Luís Peixoto.“A Coreia do Norte tem mais de nazismo que de estalinismo”

 

Graças às comemorações do 100.º aniversário de Kim Il-sung, o escritor português conseguiu ir à Coreia do Norte para uma visita rara que deu um livro: “Dentro do Segredo” já está nas bancas

 

Manuel Vicente

 

“Ultimate Mega Tour” foi o nome do pacote que José Luís Peixoto comprou à agência chinesa que organiza viagens à Coreia do Norte assim que a ideia de visitar o país se cimentou. Antes de passar a fronteira (por onde também não passam telemóveis estrangeiros nem livros) para entrar na sociedade mais fechada do mundo, o escritor assinou o compromisso de não escrever nada sobre o país. Mentira piedosa animada por “D. Quixote de La Mancha”, o livro que levou escondido na mala e que esteve para ser o fio condutor de “Dentro do Segredo”.

Acabou por não ser. Mas o relato inédito da experiência – da gastroenterite que apanhou por beber água do poço da casa de infância de Kim Il-sung a nunca ter visto dinheiro a ser usado – vale por si só.

 

Porquê ir à Coreia do Norte?

O grande motivo foi justamente encontrar um desafio que me estimulasse, a possibilidade de ir a um país à partida de tão difícil acesso. E foi uma paixão assim que me permiti ter esse sonho.

 

Antes de ir, morre Kim Jong-il.

A verdade é que – agora ando com esta coisa de dizer “a verdade é”. Ignorar [diz para o gravador]. O que acontece, ou como diriam os tipos dos reality shows ‘É assim’ [risos], na Coreia do Norte a liderança de Kim Jong-il era importantíssima. Aqui em Portugal acredito que a sua morte tenha sido apenas uma curiosidade da política internacional, mas a mim disse--me muito, porque já tinha diligências feitas para ir e a morte pôs o país – e a minha viagem – numa grande interrogação.

 

O que esperava antes de ir?

Tinha tudo a ver com o que lia sobre a Coreia do Norte, existem informações contraditórias sobre a realidade efectiva do país. Havia até coisas que achava que não iam acontecer da forma como aconteceram. Acabei por ser surpreendido pela positiva, porque ia preparado para uma realidade ainda mais fechada. Se bem que, a partir de certa altura – e isso nota-se no livro – comecei a quebrar.

 

Pela falta de ligação ao exterior?

Exacto, e pela opressão que estava sempre presente em todos os momentos, desde que acordava até ao fim do dia.

 

Só a sua mãe e irmã é que sabiam onde ia e no livro diz lamentar não ter podido contar aos seus filhos. São novos?

Um tem 15 anos e é muito interessado em política internacional. E o outro tem oito.

 

Porque decidiu não lhes contar?

Achei que podiam não compreender. Mesmo com o mais velho temi que pudesse perturbá-lo. Associamos a Coreia do Norte a um país que envolve alguns riscos e confesso que, a partir do momento da morte de Kim Jong-il, também senti que podia haver riscos. E a viagem foi feita num momento de tensão em torno do lançamento de um foguete que o Estado norte-coreano dizia estar destinado a pôr um satélite em órbita.

 

Que foi um lançamento falhado.

Mas que foi feito e feito contra os Estados Unidos, que não só avisaram a Coreia do Norte que não o fizesse como ameaçaram com sanções que se vieram a verificar. EUA, Japão e Coreia do Sul temiam que pudessem ser testes nucleares.

 

No livro fala em ameaças latentes aos turistas em caso de desrespeito das regras, que não se concretizaram.

Eram sobretudo decorrentes do medo de cada um e do que cada um tinha lido sobre a Coreia do Norte, nuncaeram efectivas. Embora fosse visível um certo terror no olhar dos guias face a esse desrespeito.

 

Sabia que não podia levar livros?

Soube mesmo já na fronteira.

 

Mesmo assim levou o D. Quixote.

Confesso que, apesar de ir contra as regras, via o D. Quixote como uma infracção menor. Para já, porque era em português, uma língua muito pouco acessível na Coreia do Norte [risos]. Mas também porque é uma obra literária de referência, não é propriamente um texto subversivo ou que possa ser visto como ofensivo, embora seja um livro proibido como qualquer outro, e isso acaba por ser impressionante. É até uma lição, porque aquele país ignora completamente o meu mundo. Nenhuma obra literária de referência está disponível. Todos os livros publicados são propagandísticos. Até refiro isso de passagem no livro, a propósito de uma visita a uma livraria em Pyongyang, a livraria internacional...

 

Onde comprou alguns livros...

Muitos. Mais que os que refiro.

 

Propagandísticos?

Pois [risos]. De biografias dos líderes a outros. Mas achei que o “D. Quixote” faria sentido do ponto de vista do paralelismo. Já tinha lido o livro, mas levei a versão do Aquilino Ribeiro, que nunca tinha lido e que foi editada aqui, curiosamente [pela Bertrand]. Aliás, pedi-lhes essa edição e eles não sabiam para que a queria e depois ficaram surpreendidos ao saber que ela foi à Coreia do Norte e veio. Em certo momento até achei que podia ser interessante escrever este livro estabelecendo um paralelismo com a leitura de D. Quixote. Por outro lado,também quis levá- -lo porque supunha que iria sentir saudades da língua portuguesa e o Aquilino Ribeiro tem todo esse aconchego.

 

No início do livro diz que, enquanto estamos a lê-lo, estará com o seu advogado a tentar reverter o compromisso de não escrever nada sobre a viagem.

No momento em que escrevi essas palavras elas eram reais, quando acabei de escrever o livro já não eram. Mas decidi mantê-las porque achei interessante essa chamada ao presente. Foi angustiante em alguns momentos, mas depois de voltar e já no processo de escrita percebi que poderia fazê-lo.

 

Para já não teve problemas.

Mas se o livro acabar por ser traduzido terá repercussões diferentes. Em Portugal não temos embaixada da Coreia do Norte, mas noutros países existem e é sabido que é através delas que se estabelece o controlo do que é feito fora do país. Vamos ver. Para já estou tranquilo.

 

É interessante quando, a dada altura, começa a aperceber-se da liberdade das crianças em Pyongyang, que contrasta com tudo o resto que descreve.

Sim. A Coreia do Norte tem uma sociedade única, muito repressiva em quase todos os momentos, mas as pessoas têm de viver. E por isso existem escapes que fazem com que a vida seja possível e, em muitos aspectos, até agradável. Sobretudo em Pyongyang, vê-se que a vida decorre de forma serena e agradável. Para já, as pessoas não conhecem o mundo fora da Coreia do Norte e a construção que lhes é apresentada desse mundo é pintada com cores muito negativas. A maioria das pessoas acredita que vive no país mais desenvolvido do mundo. E depois existem efectivamente alguns aspectos da vida social mais ligeiros do que aqui. Quem tem filhos sabe que se os perder de vista durante um minuto a angústia é grande. E na Coreia do Norte isso não se sente dessa forma.

 

Também por ser militarizada?

Sim, acho que se pode fazer esse paralelismo, mas há outras circunstâncias a contribuir para isso, até a própria cultura. Por exemplo o aspecto do trânsito: não há quase nenhum, nem na capital.

 

E nunca se vê ninguém usar dinheiro.

Sim. Além de um conjunto de notas fora de circulação à venda como recordação, que eu por acaso comprei, nunca vi dinheiro a ser usado. Mas houve um momento que optei por não referir no livro porque achei que podia ser… Constrangedor não é a palavra, podia ser algo perigoso...

 

Que momento foi?

Uma pessoa da Coreia do Norte que propôs de uma forma disfarçada que podíamos comprar-lhe notas em circulação. Eu não fiz isso, não as comprei, achei que não valia a pena correr o risco. Não sou coleccionador de notas nem iria fazer nada com elas. Mas é verdade que isso foi uma coisa que me chamou muito a atenção. Lá praticamente não há comércio, é muito escasso, às vezes existem pequenas bancas, a maior parte apenas tabuleiros com coisas em cima, duas ou três peças de fruta, cigarros, garrafas de bebida...

 

Também não há papéis no chão.

Em sítio nenhum. Nem beatas!

 

Mas vêem-se pessoas a fumar.

Sim, os coreanos fumam muito e em todos os lugares. No avião para Pyongyang, no comboio... Como era antes aqui. Os cigarros imagino que não sejam atribuídos pelo Estado, mas a maior parte dos bens, seja comida, seja vestuário, são. Porque não é claramente às lojas que as pessoas vão buscar os alimentos. Já a roupa é muito limitada, a maioria das pessoas tem roupas muito semelhantes, muitas vezes próximas do uniforme militar.

 

O seu grande arrependimento na viagem foi beber do poço de Kim Il-Sung?

[Risos] Sim, sim!

 

Mas não chegou a ir ao hospital.

Não, nunca. Em todos os momentos senti que a má disposição ia passar, como efectivamente passou, mas é irónico que tenha acontecido no poço da casa de infância do Kim Il-sung, A verdade é que isso também mostra como uma visita à Coreia do Norte anda sempre à volta desses temas. Há um momento no livro em que falo do cansaço que sentia ao ouvir o nome dos líderes, porque era permanente. Em todos os momentos. Há um documentário da National Geographic sobre a Coreia do Norte em que uma jornalista acompanhou um médico indiano que foi fazer tratamentos às cataratas de pessoas que tinham cegado e um momento muitíssimo impressionante é quando tiram as vendas às pessoas que foram operadas. A primeira coisa que todos eles fazem é dar graças a Kim Jong-il e dizer que agora felizmente já têm a visão restabelecida para o poder ver e venerar. Isso é, de certa maneira, uma imagem muito poderosa do que é a vivência do culto da personalidade na Coreia do Norte, que ultrapassa tudo o que eu já vi do ponto de vista de cultos, até religiosos. E eu cheguei

há duas semanas da Índia, onde as pessoas acreditam que vão reencarnar.

 

Diz que, ao contrário do que se pensa, a Coreia do Norte não é o último reduto estalinista.

Acho que é o último e o primeiro reduto de algo que terá muito mais a ver com o nazismo do que com qualquer outro regime conhecido, porque existem do ponto de vista ideológico marcas nacionalistas evidentes em todos os aspectos e momentos da vida do país. E depois existe também um discurso racista que diverge bastante do discurso estalinista. Os inimigos do país, como os EUA, eram sempre retratados traçando uma diferença importante entre os líderes e o povo, mas no caso da Coreia do Norte as qualidades negativas são atribuídas tanto aos líderes como à população. Aliás, existem representações de crianças americanas ou japonesas em

que surgem desfiguradas e com um aspecto assassino.

 

O que mudou no seu imaginário do país agora que lá foi e voltou?

Continuo a alimentar esse imaginário, porque há muito que não vi e há muito que só posso imaginar. Mas ao mesmo tempo tornou-se um lugar muito mais concreto. Recordo o olhar das pessoas que lá ficaram e isso traz uma certa dor, parecida com aquela que trago comigo quando visito prisões. A sensação de sair e saber que eles continuam lá.

 

Agora o seu filho mais velho já sabe que o pai foi à Coreia do Norte.

E ficou muito surpreendido e impressionado ao saber que alguns telefonemas que recebeu vinham de lá. Ele pensava que eu estava na China, que já é um lugar distante e misterioso, mas a Coreia do Norte supera esse fascínio. No livro digo que os meus filhos, até os meus netos, um dia vão ter curiosidade de saber como foram estas aventuras e acho que este livro é um bocado isso, um documento do que é a Coreia do Norte e também do que é ser eu, porque vem tudo do interior dos meus pensamentos.

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Ler, 1 Dezembro 2012

14.05.14

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Diário de Aveiro, 8 Dezembro 2012

14.05.14

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Time Out, 26 Dezembro 2012

14.05.14

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Público, 18 Novembro 2012

05.04.14

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El País, 3 Maio 2014

04.04.14

Hijos de la revolución del 74

Nietos literarios de Saramago y Lobo Antunes, los novelistas portugueses que rondan los 40 años se alejan del realismo comprometido

La crisis que ha arrasado Portugal, dicen, está demasiado cerca para ser materia narrativa

 

Desumanização, la última novela del exitoso Walter Hugo Mãe (Saurimo, Angola, 1971), uno de los nuevos narradores portugueses más premiados, transcurre en Islandia.Para onde vão os guarda-chuvas(Adónde van los paraguas), el libro que ha consagrado a Afonso Cruz (Figueira da Foz, 1971), se sitúa en un impreciso Pakistán algo fantasmagórico que a veces parece sacado de un cuento de Las mil y una noches. Son dos ejemplos de las más novedosas propuestas de la notable generación actual de escritores lusos que copa los galardones y se hace con los lectores. Algunos los acusan de escapistas. Otros recuerdan su vocación internacional y su suprema libertad de narrar lo que les dicte el alma.

Rondan la cuarentena. Nacieron, pues, en los años setenta y comenzaron a publicar a principios de siglo. Ahora eclosionan. Tienen éxito. No es raro que en la Feria del Libro de Lisboa alguno de ellos tenga una cola de centenares de seguidores a la espera de su firma. Pertenecen a una generación que no vivió la Revolución de los Claveles o que la vivió siendo muy niños. De hecho, es el primer grupo de escritores portugueses liberado por completo del amarre de la memoria de esa casi mitológica fecha, el 25 de abril de 1974, que lo significa todo para Portugal y que sirve de frontera entre el pasado y el presente del país. “No se sienten vinculados a nada, nacieron libres”, asegura la escritora y editora Maria do Rosário Pedreira, responsable del descubrimiento de buena parte de estos escritores. “Durante la dictadura, y mucho tiempo después, Portugal se debatió entre el neorrealismo y el existencialismo. Hasta Lobo Antunes ySaramago. La generación posterior a ellos también consideraba que debía escribir, por así decir, comprometida. Pero estos nuevos autores no. Les caracteriza, precisamente, la falta de necesidad de estar comprometidos, su riqueza de estilos, su mayor preocupación formal, el haber estudiado fuera, el haber vivido hasta tarde en casa de sus padres. Y, literariamente, han sido capaces de recoger las cartas de Lobo y Saramago, barajarlas y repartirlas de nuevo”, añade.

Esta especialista, sin ser muy tajante con las fechas, data el impreciso nacimiento de este grupo en 2001 con la publicación de Nenhum Olhar(traducida al español por Nadie nos mira), de José Luís Peixoto(Galveias, 1974), una narración que transcurre en una aldea del Alentejo profundo, pero con resonancias alegóricas y hasta bíblicas, con una potencia simbólica que la aleja del realismo. Años después, la publicación de la muy premiada Jerusalén, de Gonzalo M. Tavares(Luanda, Angola, 1970), tal vez el autor más internacionalmente reconocido de este pelotón de nuevos narradores, confirmó el advenimiento de un nuevo modo de narrar. La novela describe una sola y alucinada noche de varios personajes que transitan por una ciudad extraña de Centroeuropa. El mismo Tavares acaba de publicar en la traducción al castellano de Viaje a la India (Seix Barral. Versión de Rosa Martínez Alfaro), una novela en verso que narra un viaje a Oriente desde Lisboa.

José Luís Peixoto nació en una pequeña aldea del Alentejo y reivindica para sí —y para su país— tanto su pasado rural como su moderno futuro cosmopolita. Recuerda la visita a los pueblos de su infancia de las denominadas, entonces, “bibliotecas itinerantes”, y de cómo ellas fueron su primer contacto con los libros. Pero también asegura que su generación fue la primera que gozó de una oportunidad clave: “La de escoger caminos específicos y únicos”.

La pobreza es terrible, pero no creo que la literatura sea la mejor manera de reflexionar sobre lo muy contemporáneo

Este escritor, que acaba de publicar un libro de viajes que describe su paso por Corea del Norte, tituladoDentro do Segredo, reconoce que los escritores portugueses encuentran dificultades para mirar hacia su propio país: “Tal vez sea porque Portugal tiene un problema para verse a sí mismo. No sabemos si somos pequeños o grandes. Si somos grandes porque tuvimos un imperio o si somos pequeños porque nos dice latroika lo que tenemos que hacer”. Pero añade que esa tendencia empieza a quebrarse: su última novela, titulada Livro, narra la sufrida inmigración portuguesa al París de los años sesenta y setenta. Y recuerda el caso de la exitosa novela O Retorno, de la escritora Dulce Maria Cardoso, que cuenta el drama de 500.000 personas obligadas a regresar a Portugal de golpe, procedentes de las antiguas colonias lusas, principalmente Angola y Mozambique. No eran del todo portugueses, porque muchos habían nacido en África; pero tampoco eran angoleños o mozambiqueños por completo: de hecho se les expulsó de la tierra en que habían nacido una vez se declaró la independencia. Solo les quedó regresar a una metrópoli con la que no contaban y que no contaba con ellos. La misma Dulce Maria Cardoso, nacida en Angola en 1964, que vivió hasta los 10 años en Luanda, fue uno de ellos, y su obra, más que ajustar cuentas con la historia o los gobernantes o los políticos de entonces, lo hace —generosamente, sin señalar a los buenos y a los malos— con ese tiempo suyo de la infancia, muchos años después. Los personajes sienten nostalgia por una patria perdida irremediablemente, Angola, pero también por la madre patria idealizada que no aguantó el cara a cara y en la que, a pesar de todo, tuvieron que refugiarse. Todo esto está contado con realismo, ritmo e inteligencia por un adolescente listo, amedrentado, extrañado, espabilado, ligón y valiente, que ve su mundo tambalearse sin que a su lado se levante otro fiable.

El éxito de la novela de Cardoso (varias ediciones, miles de ejemplares vendidos, multitud de artículos sobre el asunto) indica la necesidad de Portugal por este tipo de historias-espejo, pero la escritora confesó a este periódico hace tiempo que había necesitado todos estos años para poder abordar seriamente el asunto.

Peixoto sostiene que, a pesar de su atmósfera onírica, en todos sus libros habla de Portugal. “Incluso cuando me voy a Corea y describo Corea, escribo de Portugal, del negativo de Portugal. Es cierto que en los años noventa, el país quiso dejar atrás su imagen de tierra atrasada. Pero esa mujer de negro que aún habita en nuestras aldeas no es una extraña para nosotros. Es la madre de nuestra madre: es nuestra abuela”.

Y sin embargo, muchos echan en falta que este puñado de escritores modernos, atentos a la realidad, implicados en las redes sociales y en los periódicos, amigos entre ellos, no se impliquen más en el tema por excelencia que hoy por hoy atraviesa Portugal: la crisis económica que lo ahoga todo o casi todo y que hace que los portugueses vivan cada día un poco peor. “Es cierto que estamos viviendo un momento terrible. Por la pobreza que se ve y por el desempleo. Y yo estoy muy afectado, claro, como todos. Pero no creo que la literatura sea la mejor manera de reflexionar sobre lo muy contemporáneo. Aún no ha llegado la novela de la crisis, pero llegará”, dice Peixoto. “Son muy creativos, muy artistas. Se preocupan más de su historia que de la historia. Pero están dotados para cambiar de blanco. Y no me extrañaría que lo hicieran”, añade Maria do Rosário Pedreira.

Clara Capitão, la directora editorial de Alfaguara en Portugal, coincide también en ubicar esta crisis demoledora demasiado encima del momento actual, demasiado presente, para que sirva de material literario. “Pero eso no quita para que este grupo de escritores no se muestre muy crítico con las políticas de austeridad y con la situación del país. Escriben en periódicos y en revistas, y ahí son muy activos, como son muy activos, por ejemplo Peixoto o Hugo Mãe, en sus cuentas personales de Facebook”, añade. Capitão recuerda, por otra parte, que uno de los libros más reconocidos de esta generación, La máquina de hacer españoles, de Walter Hugo Mãe, no deja de ser una reflexión sobre el modo pesimista de ser portugués, escrita con el sello personalísimo y melancólico del autor. Esta editora asegura que, sea como fuere, es una generación de escritores jóvenes muy traducidos fuera de Portugal, que se consideran nietos por igual de José Saramago y de António Lobo Antunes.

Lisboa es como Londres o Madrid: los mismos muebles de Ikea, la misma gente que lleva las mismas zapatillas…

Afonso Cruz, como otros muchos escritores de esta generación, no es solo narrador, sino ilustrador, dibujante de películas, de dibujos animados, pintor y músico, entre otras cosas. Vive con su familia en un pueblo perdido del Alentejo remoto, cerca de la frontera con España, pero viaja a menudo por todo el mundo y ha pasado buena parte de su vida viajando. Su último libro, el rotundo Para onde vão os guarda-chuvas le ha reportado un buen puñado de lectores además de un conjunto de buenas críticas. Es un relato extemporáneo, extraño, largo, de 600 páginas divididas en capítulos muy cortos: narran la pérdida de un hijo por parte de un vendedor de alfombras de un país parecido al Pakistán contemporáneo a manos de un pelotón de soldados norteamericanos pagados por un mafioso. Un hindú aconseja al vendedor de alfombras que para restañar la pena que le hunde en la depresión debe adoptar un hijo… de nacionalidad norteamericana. En la casa del comerciante, en una mezcla algo esquizofrénica, residen, además del comerciante y del hijo adoptivo, un primo derviche mudo y sin pelo y una hermana loca por conseguir un marido que le regale un par de zapatos de tacón de aguja. A todo esto hay que añadir parábolas orientales, asesinatos, relatos realistas de la explotación de niños, y decenas de golpes de humor y de rabia. “La idea viene de la respuesta que Gandhi le dio a un hindú que le preguntó qué podía hacer después de que un musulmán le matara a su hijo. Gandhi le respondió que adoptara un niño musulmán. Es una manera de superar eso de ojo por ojo y diente por diente”, dice Cruz. El escritor, en una cafetería céntrica de Lisboa procedente de su pueblo, de paso hacia Macao asegura que, en su opinión, las causas aparentemente lejanas no están en realidad tan lejos: “No puedo jerarquizar el valor de las vidas humanas. Eso de que valen más las que están más cerca, no va conmigo. Y un problema en Pakistán o en Irak también es un problema aquí. No solo lo son los desempleados de Portugal, sino los esclavos de África o de Oriente Próximo”. Para Cruz, el mundo se ha estrechado, las ciudades han dejado de ser particulares y únicas, y han pasado a ser todas muy parecidas, perdiendo en el camino su propia identidad: “Por eso es difícil definir lo que es Portugal. Porque Lisboa es parecida a Londres o Madrid, con los mismos muebles de Ikea, con la misma gente que lleva las mismas zapatillas, que come casi lo mismo. Después de haber viajado tanto, la portugalidad pasa a ser menos importante”, añade.

João Tordo (Lisboa, 1975) es autor ya de siete novelas, de temas muy diferentes. Alguna de ellas, como Anatomia dos Mártires, aborda precisamente la aparente abulia o indiferencia política de su propia generación. Por un lado se confiesa tan portugués “como de cualquier otra parte”. De hecho, ha vivido en Londres y en EE UU y, como sus compañeros de generación, viaja mucho. Así, sus novelas se localizan tanto en Portugal como en cualquier otra parte. Pero también asegura que solo comenzó a comprender su propio país cuando residió fuera de él: “Somos un pueblo que se lamenta del pasado y que tiene miedo del futuro. Y eso nos impide ver el presente”. Y añade: “Jamás vi tanta pobreza a mi alrededor, tantas tiendas cerradas. Lisboa, con sus restaurantes y sus turistas, constituye tal vez un oasis. Pero más allá de la crisis económica, lo que me asusta más es una suerte de crisis espiritual. Nuestro Gobierno solo habla de números, nuestros gobernantes son solo contables. Y este discurso aplastante nos impide, otra vez, ver el presente. Es como si viviéramos con unas orejeras de burro. Tal vez tengamos la obligación de volver a ser escritores comprometidos”.

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